Este relatório investiga as táticas da indústria face a uma crise de poluição por plástico sem precedentes e à crescente pressão pública para a resolver.
Com base em pesquisas e investigações em mais de 15 países de cinco continentes, é revelado como, por detrás de um véu de iniciativas e compromissos atraentes, a indústria passou décadas a obstruir e a tentar enfraquecer soluções legislativas comprovadas.
Fizemos uma análise crítica dos compromissos voluntários dos maiores poluidores por plástico, examinámos as iniciativas coletivas mais significativas (algumas delas promovidas por governos e organizações não governamentais) e revelámos como as empresas ao longo da cadeia de distribuição do plástico atuam nos bastidores – da indústria petrolífera às marcas de consumo e distribuição.
Os nossos estudos de caso mostram que as iniciativas
voluntárias não só falharam em conter a crise do plástico, mas também têm sido
utilizadas pelas empresas como tática para atrasar e obstruir uma legislação
progressista, enquanto distraem consumidores e governos com promessas vazias e
falsas soluções.
Principais conclusões dos estudos de caso
• Nos Estados Unidos, a indústria conseguiu transferir o ónus e a responsabilidade da poluição por plástico das empresas para os consumidores e entidades públicas, enquanto promovem a reciclagem como desculpa conveniente para produzir ainda mais plástico. Falsos grupos ambientais e números crescentes de iniciativas voluntárias são usadas para desviar responsabilidades, enquanto legislações como a proibição de sacos de plástico e a regulamentação de embalagens têm sido, durante anos, fortemente combatidas.
• Na Europa, investigamos os esforços da indústria ao
nível da União Europeia para enfraquecer e atrasar a Estratégia da UE para os
Plásticos e a Diretiva SUP da UE. Também olhamos em detalhe para alguns estudos
de caso na Europa, incluindo as tentativas da Coca-Cola de eliminar sistemas de
retorno de depósitos na Escócia; esforços de distribuidores, produtores de
bebidas e organizações de responsabilidade dos produtores para pôr em causa
sistemas de retorno de depósitos na Áustria, Espanha e República Checa; e uma
oportunidade perdida na França, onde objetivos de reutilização foram
introduzidos sem a existência de sistemas suscetíveis de os realizar em grande escala.
• Na Ásia, analisámos a China e o Japão.
A primeira abalou o mundo dos resíduos em 2018 ao proibir as importações de resíduos de plástico. Isto contrasta com uma ação limitada por parte das empresas, com o único foco em limpezas e uma série de compromissos de mudança para alternativas biodegradáveis e compostáveis.
No Japão, apesar do elevado nível de envolvimento dos
cidadãos na recolha separada, há pouca consciência de que a maioria dos
resíduos é, na realidade, incinerado ou exportado. Além-fronteiras, o governo está
também a promover tecnologias de incineração problemáticas e plásticos de base
biológica, biodegradáveis e compostáveis como parte das suas “soluções” de
ajuda externa.
À medida que as organizações não governamentais e os jornalistas têm aprofundado as suas investigações e exposto os seus truques, as grandes empresas - e a rede de organizações por elas apoiada - tornaram-se cada vez mais sofisticadas no seu jogo de engano. Escondem-se atrás de compromissos atraentes e colocam recursos aparentemente significativos em procurar soluções - mas, como este relatório mostra, isso não passa de uma ilusão. A grande maioria dos seus compromissos centram-se na reciclabilidade, mas lutam contra soluções comprovadas que as facilitem.
Muitos materiais - não apenas o plástico - podem ser
reciclados (e reutilizados), e a indústria poderia adotar esses tipos de
embalagens, em combinação com sistemas de depósito que permitissem aos
consumidores devolvê-los. Em vez de abraçar essas soluções, a indústria
aumentou a quantidade de plásticos flexíveis e multicamadas baratos (como wraps
e bolsas) que são impossíveis de reciclar, e recentemente começou a promover a
reciclagem química, uma técnica não comprovada e prejudicial, como uma
“solução”. Quando a reciclagem química inevitavelmente falhar, o mundo terá perdido
várias décadas de progresso potencial na luta contra a poluição por plásticos.
As conclusões deste relatório são, sem dúvida, apenas a ponta do iceberg. No entanto, elas mostram como a indústria funciona - mobilizando-se rapidamente para parar qualquer tentativa de regular ou restringir o uso de plásticos, fazendo lóbi contra legislação, apostando no “greenwashing” através de compromissos que se concentram em soluções de fim de ciclo de vida, e transferindo a responsabilidade para os consumidores.
Este é um tema há muito abordado pelo Ambiente Ondas3. Para aprofundar a temática, pode consultar os seguintes postes, abaixo listados por ordem cronológica da sua publicação:
- 30mar2018 - O apoio do lóbi das embalagens a grupos anti-lixo dificulta a aplicação de soluções mais eficazes
- 27set2018 - Limpar praias é a solução para a poluição plástica?
- 19out2018 - Exportadoras de resíduos de plástico investigadas por suspeitas de fraudes
- 20out2018 - Lóbi das embalagens cria grupos anti-lixo para travar soluções mais avançadas
- 19jan2019 - Podem energéticas, petroquímicas e produtoras de plástico resolver a crise da poluição plástica?
- 21fev2019 - Porquê concentrar apenas no cidadão a responsabilidade do descarte e recolha dos resíduos de plástico?
- 25jun2019 - O que leva um ambientalista a desistir de recolher plástico de praias e admitir a derrota?
- 2jul2019 - Centrar a reciclagem do plástico no mito da economia circular é escamotear a crise ambiental
- 25jul2019 - A indústria de plásticos pode continuar a enganar professores e crianças?
- 20fev2020 - Nem todo o plástico é reciclável
- 13mai2020 - «Estamos a engordar a indústria do plástico»
- 14mai2020 - «Os sacos reutilizáveis estão a ser sacrificados para combater a covid-19 – será que a indústria de plásticos está a fomentar o medo do público para poder faturar à vontade?»
- 21mai2020 - Indústria dos plásticos pede ajuda pública apesar de não cumprir objetivos para que foi criada
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