É muito mais barato e mais conveniente para a indústria concentrar-se na responsabilidade individual e do consumidor pelo lixo e pela sua limpeza, em vez de mudar os métodos de produção e de embalagem. Não admira, pois, que a indústria de embalagens e seus clientes no setor da alimentação e bebidas apoiem várias campanhas anti-lixo na Europa. A indústria faz isso por vários motivos, nomeadamente o greenwashing dos seus produtos com embalagem de utilização única com o verniz da respeitabilidade ambiental. Mas esta tática tem outros propósitos mais pérfidos, sobretudo para tentar mudar a narrativa popular e política sobre resíduos, especialmente plásticos e embalagens descartáveis. Colocar a recolha do lixo, por mais importante que seja, no centro do debate sobre resíduos, transpõe a responsabilidade de os tratar para as autarquias e os cidadãos, e não para os produtores da indústria, e dificulta a procura de soluções políticas públicas - como tornar a indústria responsável pelo ciclo completo dos seus produtos - o que pode prejudicar os lucros das empresas.
Ao minimizar a sua responsabilidade pelos produtos que saem das suas fábricas ou lojas, a indústria tenta sacudir a água do capote. Tudo para maximizar os lucros e externalizar os custos; isto é, descartando os impactos negativos da produção de plástico e resíduos para a sociedade e para o ambiente. Ao perpetuar este modelo, a indústria evita pagar o custo total da produção do seu plástico.
Se o lixo e a sua recolha se tornarem o centro do debate, a ênfase será transferida para os consumidores e autarquias para que resolvam os problemas. Entretanto, a indústria ganha créditos ecológicos ao patrocinar limpezas de lixo e campanhas de educação pública, ao mesmo tempo que desvia a atenção de ações de políticas públicas de maior alcance para lidar com os resíduos plásticos.
Nada disto é novidade. Já nos anos 1970s, a campanha americana Keep America Beautiful, financiada pela indústria, apresentava uma narrativa sobre resíduos e lixo que se concentrava na responsabilidade pessoal. Mobilizou campanhas de recolha de lixo cheias de pessoas bem-intencionadas que nunca perceberam que por trás da Keep America Beautiful estavam as mesmas empresas que produziam as latas e as garrafas que constituíam grande parte do problema do lixo, as mesmas empresas que se opõem a políticas de redução e reciclagem.
Esta tática continua na União Europeia. Ao patrocinar ou criar algumas ONGs anti-lixo, ao sentá-las nas suas comissões executivas, ao ceder pessoal ou ao encomendar-lhes pesquisas para influenciar as decisões de políticas públicas, torna-se difícil ver onde acaba a indústria e começam algumas ONGs.
Em Bruxelas, o lóbi dos resíduos, do plástico e das embalagens é liderado por Eamonn Bates. A Eamonn Bates Europe Public Affairs (EBEPA) representa 3 clientes de peso: a International Paper (uma gigante norte-americana do papel e da celulose), a Serving Europe (uma associação de fast food que inclui gigantes como a Burger King, a McDonald’s e a Starbucks), e a Pack2Go Europe (uma associação comercial para a indústria de embalagens de "alimentos de conveniência"). O objetivo deste lóbi é impor o conceito de que as embalagens descartáveis são confortáveis e amigas do ambiente.
Em 2011, acusou a Comissão Europeia de fazer uma caça às bruxas contra o plástico quando ela lançou o programa de taxação de sacas plásticas nos supermercados.
Foi assim que Bates conseguiu dissuadir a França de introduzir chávenas e pires biodegradáveis sob pena de a processar junto do tribunal europeu por alegada violação da legislação europeia. Um dos argumentos era que essa medida poderia provocar mais lixo uma vez que as pessoas não teriam o cuidado de o descartar convenientemente por pensarem que ele se decompunha facilmente. Bates tenta ainda impor a sua visão na Irlanda, cujo governo pretende reduzir a utilização única de plásticos e lançar um esquema de depósito de lixo com retorno, alegando a violação de regras de embalagem e de livre movimentação de bens.
A Clean Europe Network, criada pela Pack2Go em2012, diz coordenar NGOs e autoridades públicas para «melhorar as técnicas de prevenção de resíduos na Europa». A Clean Europe Network recebeu 358 mil e 167 mil euros, respetivamente em 2014 e 2016, para apoiar instituições na definição do que são resíduos e como os medir, e em campanhas de consciencialização.
Na Flandres, zona de língua holandesa da Bélgica, tem havido debate sobre a introdução de um esquema de depósito para latas e garrafas. No entanto, o programa foi adiado quando após a assinatura de um acordo entre a indústria e as autoridades públicas para financiar a Mooimakers em 9,6 milhões de euros por ano, entre 2016 e 2018.
A Mooimakers é uma plataforma que inclui a OVAM (a empresa de resíduos públicos da Flandres), a Associação de Cidades e Municípios Flamengos (VVSG) e a Fost Plus, um grupo industrial que trabalha com reciclagem cujos membros do conselho incluem a Coca-Cola, a Danone, o Carrefour, a Unilever e o IKEA, entre outros. (A Coca-Cola sozinha produz 100 biliões de garrafas plásticas descartáveis por ano.) A Mooimakers está sediada no prédio da OVAM em Mechelen e dedica-se à recolha e prevenção de lixo. Os seus cerca de 10 milhões de euros anuais vêm da Fost Plus, da Fevia (a federação da indústria alimentar belga) e da Comeos (a federação dos serviços e comércio da Bélgica), que estão representadas na sua administração.
Ironicamente, o relatório de março de 2017 encomendado pela OVAM mostrava que os resíduos tinham registado um aumento de 40% na Flandres.
Na Holanda, a Nederland Schoon, membro da Clean Europe Network, criada pela indústria de embalagens e pelas autoridades de gestão de resíduos, começou por se empenhar no lançamento de esquemas de depósito de lixo com retorno. Mas, com o passar do tempo, esta posição metamorfoseou-se entre a oposição direta e o lançar de dúvidas sobre tais propostas.
Na Escócia, há anos que o governo tenta avançar com um esquema de depósito de lixo com retorno. A Keep Scotland Beautiful (KSB), membro da Clean Europe Network, tem feito todo o tipo de fretes à indústria do plástico para impedir essa solução. Inclusivamente, tem feito estudos de resíduos patrocinados pela indústria das embalagens INCPEN, que inclui a Coca-Cola, a Diageo, a Nestlé, a Unilever, a Dow e a Tesco, entre outras, empresas abertamente contra esse esquema. E são precisamente essas mesmas empresas que, perante o governo, sublinham as conclusões dos estudos da KSB para não se avançar com esquemas de depósito de lixo com retorno. Este escandaloso esquema de lóbis e pressões foi investigado e denunciado por organizações como os Friends of the Earth, os Ninjas for Health e a Greenpeace. A própria Coca-cola já inverteu publicamente a sua posição e diz estarmos na altura de avançar com um esquema de depósito de lixo com retorno na Escócia.
CEO.
1 comentário:
Confrontar 20out2018:
Reflexão: Lóbi das embalagens cria grupos anti-lixo para travar soluções mais avançadas
https://onda7.blogspot.com/2018/10/reflexao-lobi-das-embalagens-cria.html
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