sexta-feira, 23 de agosto de 2024

REFLEXÃO – MADEIRA: DE INCÊNDIO EM INCÊNDIO ATÉ AO SUCESSO FINAL

O presidente do Governo Regional da Madeira diz-se surpreendido com o “alarmismo” à volta do incêndio que está a lavrar há mais de oito dias na Madeira. Afinal, até agora, “não houve perda de nenhuma vida humana, não houve nenhum ferido, nenhuma habitação nem nenhum núcleo habitacional destruído, não houve nenhuma infraestrutura destruída, portanto, os resultados são positivos”, observou. 

“Quando voltar a chover, o solo de toda esta zona que ardeu fica desprotegido e vai ser arrastado muito facilmente encosta abaixo”, adverte o engenheiro agroflorestal Nuno Formigo.

É neste cenário que Rui Barreira, coordenador de Florestas e Alimentação da ANP/WWF, admite mesmo que possa vir a ocorrer o mesmo fenómeno que aconteceu em 20 de fevereiro de 2010, quando aquela região da Madeira, nomeadamente Serra D’Água, foi atingida por enxurradas que fizeram 47 mortos e 4 desaparecidos. “Podemos estar perante situações parecidas, em que a terra também desliza, mas a água, como já não tem árvores para as travar, vai ganhar muita velocidade, desde lá de cima até cá abaixo, e vão ocorrer inundações rápidas”, problematiza.

Este é também o cenário que mais preocupa Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos de Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra. Isto porque, explica, “a vegetação, com mais ou menos tempo, regenera dentro de alguns anos, mas a perda do solo, a ocorrer, é bem mais difícil de recuperar, porque o solo demora centenas ou milhares de anos a reconstituir-se e, quando se perde, é muito difícil de se recompor”. 

A conservação da Laurissilva é particularmente preocupante para o investigador Nuno Formigo, que lembra que a floresta “foi considerada pela Unesco Património da Humanidade desde 1999.” E esta classificação tem razão de ser. É que a Laurissilva é hoje “uma amostra de uma floresta que existiu no passado e que, neste caso, está particularmente adaptada ao clima e às condições da Madeira”, explica Nuno Formigo. Outrora, há “mais de 20 milhões de anos”, aquela floresta “cobria todo o sul da Europa [e] todo o norte de África antes da formação do Mediterrâneo”, diz o investigador. Com a formação do Mediterrâneo, “houve uma alteração significativa do clima, quer no sul da Europa e no norte da África, e as zonas insulares, particularmente a Madeira, foram as únicas em que não houve perda dessa floresta”. Ou seja, “a mancha mais conservada de Laurissilva é a que existe na Madeira”, resume o investigador.

Além da floresta Laurissilva, as chamas também já atingiram Paúl da Serra, que Nuno Formigo descreve como “um planalto a cerca de mais ou menos 1.500 metros de altitude, que é a principal zona de recarga dos aquíferos da Madeira”, atuando por isso como motor da infiltração da água da chuva para recarregar os aquíferos. Ora, tratando-se de um planalto, “as cinzas que ali se formam não tendem a ser arrastadas, mas sim a concentrar-se”, dificultando a infiltração da água da chuva para a água subterrânea. 

Questionados sobre que medidas de prevenção devem ser tomadas para evitar a repetição daquele cenário de 2010, os especialistas afirmam que as autoridades devem começar por garantir a sustentação dos solos “o quanto antes”. Entre as várias técnicas possíveis para o efeito, destacam a utilização de matéria orgânica das zonas ardidas, como por exemplo troncos e ramos, para criar “uma espécie de mini-barragens”, como descreve Xavier Barreto, “não só para reter água, para evitar que ela escorra ou que ganhe grande velocidade ao escorrer pela encosta, como também algum material do solo que seja removido, de modo a ficar retido na própria encosta e não ir por ela abaixo.”

“Antes de mais, tem de se identificar que tipo de vegetação ardeu e tentar perceber se realmente interessa ou convém que haja a regeneração dessa mesma vegetação ou se convirá criar um arranjo diferente da paisagem, eventualmente com espécies que sejam mais resistentes ao fogo como sobreiros, castanheiros, bétulas, cerejeiras e carvalhos. 

“Não digo que devam ser colocadas em todo o terreno. O importante é que haja descontinuidades, isto é, que não haja vegetação de monocultura, por exemplo, de eucalipto, de pinheiro ou mesmo mato, mas que possa haver uma espécie de ‘mosaicos’, portanto, áreas com um coberto, outras com outro, se possível, com zonas de descontinuidade entre elas, respeitando a natureza, respeitando o equilíbrio ecológico, a vida animal, a vida das várias espécies existentes na Madeira e especialmente as endémicas”, sublinha Xavier Barreto.

CNN.


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