“O Jornal PÚBLICO foi parceiro da conferência “A
importância da biotecnologia para a sustentabilidade da agricultura” organizada
pela IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para
Animais, em conjunto com o Innov Plant Protect e o CIB – Centro de Informação
de Biotecnologia. (...)
Esta conferência não passou de uma reunião de pensamento
único, entre as entidades organizadoras e o Ministério da Agricultura para
repetiram em coro o slogan dos gigantes da indústria agro-química, principais
responsáveis pela atual insustentabilidade ambiental, social e económica da
agricultura – não há futuro na agricultura sem OGM e sem glifosato, pois são
tecnologias complementares.
Esperava-se que o jornal PÚBLICO fizesse um enquadramento
crítico desta conferência, invocando os argumentos da sociedade civil e da
investigação científica independente que afirmam a insustentabilidade dos OGM,
contribuindo assim para o debate democrático. E também que analisasse quem
beneficia com o regime de patentes, a que estas tecnologias estão sujeitas, e
com a dependência dos produtos fitofarmacêuticos. Mas, ao invés, vimos o seu
director, por um lado a declarar a sua ignorância sobre o assunto e por outro a
juntar-se ao coro sem referir factos importantes, nomeadamente os seguintes:
– o fracasso da primeira geração de OGM que, ao longo destes
27 anos, falhou todas as promessas feitas, nomeadamente: o aumento da
produtividade mas que, afinal, não supera a das variedades híbridas não OGM, a
redução do uso de pesticidas, como o glifosato cujo uso aumentou
substancialmente e levou até ao surgimento de mutações genéticas e resistência
ao herbicida nas ervas infestantes e que na conferência foi,
infundadamente, apresentado como “aliado da soberania alimentar”;
– o sucesso da agricultura biológica ou da biodinâmica,
assim como das práticas agrícolas não convencionais como agroecologia,
sintropia, agrofloresta, permacultura, entre outras, em produzir alimentos de
qualidade e em quantidade; e simultaneamente, preservando e regenerando os
solos, as bacias de água e a biodiversidade; outro contributo muito importante
destas práticas agrícolas, e (talvez intencionalmente) não divulgado na
conferência é a sua efectiva capacidade de sequestrar grandes quantidades de
carbono no solo constituindo uma ferramenta estratégica para resolver o grave
problema das alterações climáticas;
– o problema da fome que não se resolve por si só
produzindo mais alimentos, pois é em grande medida um problema de distribuição.
Segundo a ONU, a agricultura industrial é muito produtiva, mas a maior parte da
produção é para a alimentação animal e para a produção dos biocombustíveis. 70
a 75% de tudo o que se come no mundo é produzido por pequenos agricultores; o
sistema actual conduz a um impasse devido à destruição dos recursos naturais
que poderia ser resolvido com a adopção de práticas agrícolas sustentáveis
(agroecologia, permacultura) mas tal não acontece por pressão do poder
económico;
– o esvaziamento das estratégias da CE “Prado ao Prato” e
“Biodiversidade”, essas verdadeiramente sustentáveis, que, reconhecendo os
efeitos negativos da agricultura industrial, propõem a redução do uso de
pesticidas e o aumento de área da Agricultura Biológica;
– a libertação das variedades OGM ameaça os ecossistemas,
e a biodiversidade, pois ninguém sabe como se comportam fora do
laboratório. Mas sabe-se que contaminam as variedades agrícolas tradicionais
num processo irreversível e que essa contaminação levará ao
desaparecimento da Agricultura Biológica, da Biodinâmica e das práticas agrícolas
não convencionais (será esse o interesse das grandes corporações da
indústria agroquímica?);
– a violação do Princípio da Precaução, que ainda
distingue a Europa dos EUA, e do direito fundamental de escolha por parte dos
agricultores e dos consumidores ao que semeiam e comem, e que lhe será negado
pela ausência de rotulagem proposta pela Comissão Europeia (CE) na
regulamentação dos novos OGM;
– a desregulamentação dos Novos OGM/NTG, proposta pela
CE, desrespeita o parecer do Tribunal de Justiça Europeu;
– as culturas OGM estão implicadas na degradação
crescente dos solos, na poluição do ar e da água, na desflorestação, no aumento
das emissões de GEE e na perda da variedade dos polinizadores (responsáveis por
84% da reprodução das espécies cultivadas), efeitos não detectados nos estudos encomendados
e pagos pelas empresas que os comercializam;
– a existência de patentes sobre as variedades agrícolas
OGM que ficam mais caras e são comercializadas em conjunto com os pesticidas
associados reduzem a autonomia dos agricultores levando-os à falência; perde-se
assim a diversidade do tecido empresarial agrícola abrindo caminho às
mega-empresas que se estão a apoderar do controle planetário dos meios de
produção agrícola (variedades, sementes, solo, água, …).
O jornal PÚBLICO, que afirma “contribuir para a vida
democrática do país” tem o dever de alertar para os graves riscos associados ao
uso da biotecnologia e do glifosato na produção agrícola. E divulgar opções que
promovam a regeneração do solo e do tecido económico português caracterizado
sobretudo por microempresas agrícolas que povoam o interior do país.
Estimulando assim a fixação das populações, a produção local, a
agrobiodiversidade e a promoção da vida nos solos que captura carbono e
providencia formas de controlo não químico das ervas infestantes.
Contudo, a avaliar pelo discurso do seu diretor, optou
deliberadamente pelo discurso sectário de quem põe o dinheiro acima do bem
comum e apesar de não saber do que está a falar, apresenta a biotecnologia como
um milagre invocando uma ciência comprometida com altos interesses económicos e
assente num paradigma mecanicista da ciência, já ultrapassado, que ignora a
complexidade, a interdependência e a imprevisibilidade da Natureza.
A Plataforma Transgénicos Fora vem interpelar o seu diretor e o Provedor do Leitor a explicarem este posicionamento do jornal e a razão do discurso apologético de David Pontes. Sugerimos fortemente que seja feita uma grande reportagem sobre os argumentos que a sociedade civil e a comunidade científica independente apresentam contra a desregulamentação dos novos OGM, a renovação da licença do glifosato e também sobre as soluções que apresentam para uma agricultura sem OGM e sem pesticidas de síntese.”
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