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quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Reflexão: Plataforma Transgénicos Fora contesta falta de debate promovido pelo Público

“O Jornal PÚBLICO foi parceiro da conferência “A importância da biotecnologia para a sustentabilidade da agricultura” organizada pela IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais, em conjunto com o Innov Plant Protect e o CIB – Centro de Informação de Biotecnologia. (...)

Esta conferência não passou de uma reunião de pensamento único, entre as entidades organizadoras e o Ministério da Agricultura para repetiram em coro o slogan dos gigantes da indústria agro-química, principais responsáveis pela atual insustentabilidade ambiental, social e económica da agricultura – não há futuro na agricultura sem OGM e sem glifosato, pois são tecnologias complementares.

Esperava-se que o jornal PÚBLICO fizesse um enquadramento crítico desta conferência, invocando os argumentos da sociedade civil e da investigação científica independente que afirmam a insustentabilidade dos OGM, contribuindo assim para o debate democrático. E também que analisasse quem beneficia com o regime de patentes, a que estas tecnologias estão sujeitas, e com a dependência dos produtos fitofarmacêuticos. Mas, ao invés, vimos o seu director, por um lado a declarar a sua ignorância sobre o assunto e por outro a juntar-se ao coro sem referir factos importantes, nomeadamente os seguintes:

o fracasso da primeira geração de OGM que, ao longo destes 27 anos, falhou todas as promessas feitas, nomeadamente: o aumento da produtividade mas que, afinal, não supera a das variedades híbridas não OGM, a redução do uso de pesticidas, como o glifosato cujo uso aumentou substancialmente e levou até ao surgimento de mutações genéticas e resistência ao herbicida nas ervas infestantes e que na conferência foi, infundadamente, apresentado como “aliado da soberania alimentar”;

o sucesso da agricultura biológica ou da biodinâmica, assim como das práticas agrícolas não convencionais como agroecologia, sintropia, agrofloresta, permacultura, entre outras, em produzir alimentos de qualidade e em quantidade; e simultaneamente, preservando e regenerando os solos, as bacias de água e a biodiversidade; outro contributo muito importante destas práticas agrícolas, e (talvez intencionalmente) não divulgado na conferência é a sua efectiva capacidade de sequestrar grandes quantidades de carbono no solo constituindo uma ferramenta estratégica para resolver o grave problema das alterações climáticas;

o problema da fome que não se resolve por si só produzindo mais alimentos, pois é em grande medida um problema de distribuição. Segundo a ONU, a agricultura industrial é muito produtiva, mas a maior parte da produção é para a alimentação animal e para a produção dos biocombustíveis. 70 a 75% de tudo o que se come no mundo é produzido por pequenos agricultores; o sistema actual conduz a um impasse devido à destruição dos recursos naturais que poderia ser resolvido com a adopção de práticas agrícolas sustentáveis (agroecologia, permacultura) mas tal não acontece por pressão do poder económico;

o esvaziamento das estratégias da CE “Prado ao Prato” e “Biodiversidade”, essas verdadeiramente sustentáveis, que, reconhecendo os efeitos negativos da agricultura industrial, propõem a redução do uso de pesticidas e o aumento de área da Agricultura Biológica;

a libertação das variedades OGM ameaça os ecossistemas, e a biodiversidade, pois ninguém sabe como se comportam  fora do laboratório. Mas sabe-se que contaminam as variedades agrícolas tradicionais num processo irreversível e que essa contaminação levará ao desaparecimento da Agricultura Biológica, da Biodinâmica e das práticas agrícolas não convencionais (será esse o interesse das grandes corporações da indústria agroquímica?);

a violação do Princípio da Precaução, que ainda distingue a Europa dos EUA, e do direito fundamental de escolha por parte dos agricultores e dos consumidores ao que semeiam e comem, e que lhe será negado pela ausência de rotulagem proposta pela Comissão Europeia (CE)  na regulamentação dos novos OGM;

a desregulamentação dos Novos OGM/NTG, proposta pela CE, desrespeita o parecer do Tribunal de Justiça Europeu;

as culturas OGM estão implicadas na degradação crescente dos solos, na poluição do ar e da água, na desflorestação, no aumento das emissões de GEE e na perda da variedade dos polinizadores (responsáveis por 84% da reprodução das espécies cultivadas), efeitos não detectados nos estudos encomendados e pagos pelas empresas que os comercializam;

a existência de patentes sobre as variedades agrícolas OGM que ficam mais caras e são comercializadas em conjunto com os pesticidas associados reduzem a autonomia dos agricultores levando-os à falência; perde-se assim a diversidade do tecido empresarial agrícola abrindo caminho às mega-empresas que se estão a apoderar do controle planetário dos meios de produção agrícola (variedades, sementes, solo, água, …).

O jornal PÚBLICO, que afirma “contribuir para a vida democrática do país” tem o dever de alertar para os graves riscos associados ao uso da biotecnologia e do glifosato na produção agrícola. E divulgar opções que promovam a regeneração do solo e do tecido económico português caracterizado sobretudo por microempresas agrícolas que povoam o interior do país. Estimulando assim a  fixação das populações, a produção local, a agrobiodiversidade e a promoção da vida nos solos que captura carbono e providencia formas de controlo não químico das ervas infestantes.

Contudo, a avaliar pelo discurso do seu diretor, optou deliberadamente pelo discurso sectário de quem põe o dinheiro acima do bem comum e apesar de não saber do que está a falar, apresenta a biotecnologia como um milagre invocando uma ciência comprometida com altos interesses económicos e assente num paradigma mecanicista da ciência, já ultrapassado, que ignora a complexidade, a interdependência e a imprevisibilidade da Natureza.

A Plataforma Transgénicos Fora vem interpelar o seu diretor e o Provedor do Leitor a explicarem este posicionamento do jornal e a razão do discurso apologético de David Pontes. Sugerimos fortemente que seja feita uma grande reportagem sobre os argumentos que a sociedade civil e a comunidade científica independente apresentam contra a desregulamentação dos novos OGM, a renovação da licença do glifosato e também sobre as soluções que apresentam para uma agricultura sem OGM e sem pesticidas de síntese.”

Fonte.

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