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terça-feira, 17 de outubro de 2023

Bico calado

A Câmara Municipal [de Espinho] tinha mandado fazer uma avaliação ao terreno que ia ceder aos bombeiros e outra aos dois quartéis e estranhamente concluiu que os quartéis no centro da cidade valiam menos do que um terreno nos arrabaldes do parque da cidade. Colocava-se a discussão sobre em que condições é que essa permuta se devia efetuar e é nesse seguimento que a CDU, de acordo com o Partido Socialista (PS), lança a proposta [em 2017]  para impedir que os edifícios acabassem, (...) nas mãos dos interesses económicos porque são dois edifícios no centro da cidade, um deles com grande capacidade de crescimento em altura porque tem todo o jardim em frente à igreja. Para evitar isso, concordamos permitir a permuta, mas em condições que nunca pudessem ser desviados o fim e a atualização dos quartéis. (...) a proposta esgotou-se nessa utilização. Hoje não se pode alterar uma coisa do passado e que já terminou, daí dizer que é ilegal e ilícito agora querer alterar aquilo que já não pode ser alterado. (...) A partir do momento em que foi feita a escritura de permuta, uma escritura de direito privado, a proposta esgotou-se, de modo que a AM e a Câmara Municipal já não podem alterar uma escritura que foi feita. A Assembleia Municipal (...) faz de conta que não se está a alterar, mas que agora, atendendo às circunstâncias, a Câmara vai usar esses edifícios, não pela maneira como se comprometeu, não no modo como foi assinado, não no modo como externamente foi decidido, mas com novos interesses. Isso não é legal. Está na lei que os contratos devem ser pontualmente cumpridos. O município fez, naquela altura, um contrato com a AM e esse contrato foi reduzido a uma escritura. A partir daí está definido, daí ser ilegal, além do aspeto ético, pois hoje é uma coisa e amanhã é outra. E isto é a parte jurídica, mas aquilo que mais me choca é a parte política, na medida em que o PS não é um partido de confiança, pois hoje defende uma coisa e amanhã defende outra. O que está a acontecer já eu previa, por isso, não me surpreendo com o PS, mas sim com algumas pessoas. O Partido Socialista quando está no poder faz o contrário daquilo que dizia quando estava na oposição, não tem uma linha coerente, fiável, em que as pessoas possam acreditar. De modo que eu já estava à espera disso, como já estou à espera que não seja para arrendamento jovem. Isso também é conversa. Não acredito nisso. Está na moda a política de habitação, mas este projeto não explica nem até que idade são os jovens, nem diz quanto terão que pagar. As rendas em Espinho estão altíssimas, cerca de 700/750 euros. Aquilo que vai acontecer é que a Câmara vai dizer que baixa 100 euros e já está aí uma política perfeita para jovens. Mas depois quem são os jovens que têm 600 euros para a renda? Não vão existir e então nessa altura altera-se novamente o projeto, dizendo que não há jovens candidatos a ocupar e, portanto, vai-se utilizar para outros fins. Tenho quase a certeza absoluta que é isso que vai acontecer. Aquilo que me custa é haver deputados do PS que estavam na AM nesse ano e ao fim desde tempo todo, com uma lata terrível, afinal dizerem já não ser importante adjudicar aqueles dois quartéis aos fins semelhantes dos bombeiros, já pode ser para habitação, já pode ser para outros serviços, pode ser para tudo. Ainda não se sabe quais são os serviços que podem ir para lá, mas estou convencido que será, por exemplo, para a chamada Polícia Municipal. Há vogais que na altura votaram a favor de que aqueles edifícios nunca poderiam ser utilizados para fins diferentes, impedir o aproveitamento urbanístico e construtivo dos novos edifícios, mas agora já estão abertos a uma outra solução que depois vai abrindo até chegar à solução que é aquela inicial, que estava programada desde o começo que é vender os dois edifícios. Costumo dizer, com uma certa pena, que os deputados eleitos na AM pelo PS portam-se como crianças de infantário que cumprem as ordens do chefe. Eles, que foram eleitos, prometeram durante a campanha eleitoral que iam defender os melhores interesses de Espinho, deviam preocupar-se sobre quais as melhores soluções, mas isso não se verifica. Se a Câmara diz que é preto então dizem todos que é preto e é esta despersonalização de adultos que afirmam ter uma preocupação política, que se candidataram dizendo às pessoas que iam exercer um mandato na defesa dos interesses de Espinho e depois chegam lá e não têm voz própria. Isto desprestigia a AM e tira-lhe a sua função. O que está a fazer uma AM se as pessoas se limitam a seguir o que outras decidiram e não criticam? (...) isto parece-me que há aquilo que se chama de abuso de poder. A Câmara e a AM já depois de terem decidido as condições em que aquilo deve funcionar, vem agora com o poder de alterar.

(...) Quem pode atuar é o Ministério Público por haver um crime, mas o MP não prende uma AM ou a Câmara, prende as pessoas que em nome delas praticam um ato ilícito. Os membros da AM antes de votar foram alertados para isso e não tiveram o cuidado de dizer para parar e ir analisar se isto é verdade ou não. Esta situação pode descredibilizar a AM, mas a verdade é que ainda hoje as pessoas não sabem qual é o papel da AM e da Câmara. As pessoas não sabem quem são os membros da AM, não frequentam as sessões, melhorou um pouco com a transmissão online, mas as pessoas não querem deixar de seguir a telenovela para ver os chatos da AM. A Câmara Municipal tem um terreno ótimo para construção de habitação para jovens que é o quartel militar do Formal, em Silvalde. O Estado propôs construir ali uma prisão feminina há alguns anos, mas a Câmara não aceitou. Mais tarde, colocou-se a questão do próprio quartel dos bombeiros ser feito lá, mas tinha o inconveniente de estar demasiado próximo da passagem de nível [do Vouguinha]. No entanto, aquilo está a servir para depósito de velharias. Esse terreno poderia ser utilizado para habitação para jovens, construindo um bom bairro, onde haveria a vantagem de não trazer o trânsito para o centro da cidade e permitiria aos jovens apanhar o comboio [no apeadeiro de Silvalde] para irem para os seus empregos no Porto, em Aveiro ou Espinho." 

Jorge Carvalho, entrevistado por Lisandra Valquaresma para o Defesa de Espinho de 12out2023.

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