“(...) Portugal está sob ameaça iminente de ter de começar a racionar a água, já não só para a agricultura, mas para o próprio consumo humano. O mais de um milhão de turistas que todos os Verões triplicam a população residente do Algarve vão correr o risco, este ano, de, após servidos os 60 campos de golfe, os laranjais e olivais intensivos, as estufas de frutos vermelhos para os pequenos-almoços dos alemães e as cada vez maiores plantações de abacate (esse fruto exótico que precisa muito de humidade e que a Europa não dispensa), abrirem as torneiras e não verem água a correr. Talvez aí, finalmente, percebam do que estamos a falar. (...) É isto que António Costa não entende, é isto de que Marcelo não se ocupa. (...) Quando oiço um empresário agrícola (não confundir com agricultor) reclamar água para os seus regadios intensivos instalados em terras onde já sabia que não havia água, dá-me vontade de o exportar daqui para fora, juntamente com a sua ‘agricultura’. Mas tenho, inversamente, uma profunda admiração por alguns pequenos agricultores, que, nas zonas mais secas do Alentejo, fazem uma agricultura com zero de desperdício e com inovações no uso e poupança de água, fruto do estudo do que se fazia antes combinado com a tecnologia de hoje. A prazo, só temos uma saída, que é o oposto do que estamos a assistir: não é reclamar água para a agricultura que se quer fazer, é fazer a agricultura que se pode fazer com a água que se tem. Mas para tal era preciso, mais uma vez, que o poder político se interessasse pelo assunto e tivesse a coragem de tomar as decisões necessárias. O Presidente da República é o responsável principal pela defesa da soberania nacional. O conceito é abstrato e talvez demasia vago. Mas não tenho dúvidas disto: em lugar de andar a gastar a palavra todos os dias, a meter-se nos assuntos do Governo, a ameaçar com o uso dos seus poderes ou a distribuir Ordens da Liberdade por quem nada fez pela liberdade, podia, com mais proveito comum, encabeçar a defesa da terra, da agricultura, da água, da paisagem e do futuro do país, que depende de tudo isto. E isto é a soberania nacional. (…)”
Miguel Sousa Tavares, As coisas
importantes – Expresso.
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