quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Reflexão - «Os carros elétricos não vão resolver os nossos problemas de poluição»

 

Os carros elétricos não vão resolver os nossos problemas de poluição - a Grã-Bretanha precisa de repensar totalmente os transportes

por George Monbiot, The Guardian.

A mudança para carros elétricos reduzirá a poluição. Não a eliminará, pois uma grande parte das partículas microscópicas lançadas no ar pelos carros, que são altamente prejudiciais à nossa saúde, surgem de pneus deslizando sobre a estrada. O desgaste dos pneus também é de longe a maior fonte de microplásticos despejados nos nossos rios e no mar. E quando os pneus, independente do motor que os move, chegam ao fim da sua vida útil, não os conseguimos reciclar adequadamente.

Os carros representam um risco ambiental muito antes de saírem do stand. Uma estimativa sugere que as emissões de carbono produzidas na construção de cada um equivalem a conduzi-los 150.000 km. O aumento nas vendas de veículos elétricos criou uma corrida a minerais como lítio e cobre, com impactos devastadores em lugares bonitos. Se o objetivo é reduzir drasticamente o número de veículos nas estradas e substituir os que permanecem por modelos movidos a bateria, eles farão parte da solução. Mas se, como propõe uma previsão do National Grid, a frota atual for substituída por 35 milhões de carros elétricos, iremos apenas criar outro desastre ambiental.

Mudar as fontes de energia não ajuda a resolver o problema da vasta quantidade de espaço que o carro exige, que poderia ser usado para relvados, parques, parques infantis e residências. Não impede que os carros dividam a comunidade e transformem as ruas em vias públicas e a vida ao ar livre num perigo mortal. Os veículos elétricos não resolvem o congestionamento ou a extrema falta de atividade física que contribui para a nossa saúde debilitada.

Até agora, o governo parece não estar interessado em mudanças sistémicas. Continua a prever gastar £ 27 mil milhões na construção de mais estradas, presumivelmente para acomodar todos os novos carros elétricos. Uma análise da Transport for Quality of Life sugere que a construção de estradas cancelará 80% da economia de carbono com a mudança para a eletricidade nos próximos 12 anos. Mas por toda a parte, mesmo nas festejadas aldeias-jardim e cidades-jardim do governo, novos empreendimentos estão a ser construídos a pensar no carro.

Se algo mudar permanentemente como resultado da pandemia, será as viagens. Muitas pessoas nunca mais voltarão ao escritório. O grande potencial das tecnologias remotas, há tanto tempo inexploradas, está finalmente a concretizar-se. Tendo experienciado cidades mais calmas com ar mais limpo, poucas pessoas desejarão regressar ao passado sujo.

Tal como várias das principais cidades do mundo, a nossa capital está a ser remodelada. O mayor de Londres - reconhecendo que, embora menos passageiros possam usar o transporte público, a mudança para os carros causaria engarrafamentos e poluição letal - arranjou espaço para se andar de bicicleta e caminhar. A zona metropolitana de Manchester espera construir 1.800 milhas de vias protegidas para peões e bicicletas.

Ir de bicicleta para o trabalho é considerado por alguns médicos como “a pílula milagrosa”, reduzindo enormemente as oportunidades de morte prematura: se você quer salvar o Serviço Nacional de Saúde, ande de bicicleta. Mas o apoio do governo central é fraco e contraditório, e envolve uma fração do dinheiro que está a ser gasto em novas estradas. O principal obstáculo para uma revolução da bicicleta é o perigo de se ser atropelado por um carro.

Até mesmo a mudança para bicicletas (incluindo bicicletas elétricas e scooters) é apenas parte da resposta. No fundo, este não é uma questão de veículo, mas uma questão de projeto urbano. Ou melhor, é uma questão de desenho urbano criado pelo nosso veículo preferido. Os carros tornaram tudo maior e mais distante. Paris, sob a administração de Anne Hidalgo, está a tentar reverter essa tendência, criando uma “cidade de 15 minutos”, na qual os bairros se tornam em comunidades autossuficientes - cada um com suas próprias, parques, escolas e locais de trabalho, a 15 minutos a pé da casa de todos.

Julgo que esta é a mudança radical de que todas as cidades precisam. Isso transformaria o nosso sentido de pertença, a nossa vida em comunidade, a nossa saúde e a nossas perspetivas de emprego local, ao mesmo tempo que reduziria muito a poluição, o ruído e os perigos. Os transportes sempre significaram muito mais do que transportes. A maneira como viajamos ajuda a determinar a maneira como vivemos. Neste momento, trancados nas nossas caixas de metal, não vivemos bem.

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