Os carros elétricos não vão resolver os nossos problemas de poluição - a Grã-Bretanha precisa de repensar totalmente os transportes
por George Monbiot, The Guardian.
A mudança para carros elétricos reduzirá a poluição. Não a eliminará, pois uma grande parte das partículas microscópicas lançadas no ar pelos carros, que são altamente prejudiciais à nossa saúde, surgem de pneus deslizando sobre a estrada. O desgaste dos pneus também é de longe a maior fonte de microplásticos despejados nos nossos rios e no mar. E quando os pneus, independente do motor que os move, chegam ao fim da sua vida útil, não os conseguimos reciclar adequadamente.
Os carros representam um risco ambiental muito antes de
saírem do stand. Uma estimativa sugere que as emissões de carbono produzidas na
construção de cada um equivalem a conduzi-los 150.000 km. O aumento nas vendas
de veículos elétricos criou uma corrida a minerais como lítio e cobre, com
impactos devastadores em lugares bonitos. Se o objetivo é reduzir drasticamente
o número de veículos nas estradas e substituir os que permanecem por modelos
movidos a bateria, eles farão parte da solução. Mas se, como propõe uma
previsão do National Grid, a frota atual for substituída por 35 milhões de carros
elétricos, iremos apenas criar outro desastre ambiental.
Mudar as fontes de energia não ajuda a resolver o
problema da vasta quantidade de espaço que o carro exige, que poderia ser usado
para relvados, parques, parques infantis e residências. Não impede que os
carros dividam a comunidade e transformem as ruas em vias públicas e a vida ao
ar livre num perigo mortal. Os veículos elétricos não resolvem o
congestionamento ou a extrema falta de atividade física que contribui para a
nossa saúde debilitada.
Até agora, o governo parece não estar interessado em
mudanças sistémicas. Continua a prever gastar £ 27 mil milhões na construção de
mais estradas, presumivelmente para acomodar todos os novos carros elétricos.
Uma análise da Transport for Quality of Life sugere que a construção de
estradas cancelará 80% da economia de carbono com a mudança para a eletricidade
nos próximos 12 anos. Mas por toda a parte, mesmo nas festejadas aldeias-jardim
e cidades-jardim do governo, novos empreendimentos estão a ser construídos a
pensar no carro.
Se algo mudar permanentemente como resultado da pandemia,
será as viagens. Muitas pessoas nunca mais voltarão ao escritório. O grande
potencial das tecnologias remotas, há tanto tempo inexploradas, está finalmente
a concretizar-se. Tendo experienciado cidades mais calmas com ar mais limpo,
poucas pessoas desejarão regressar ao passado sujo.
Tal como várias das principais cidades do mundo, a nossa
capital está a ser remodelada. O mayor de Londres - reconhecendo que, embora
menos passageiros possam usar o transporte público, a mudança para os carros
causaria engarrafamentos e poluição letal - arranjou espaço para se andar de
bicicleta e caminhar. A zona metropolitana de Manchester espera construir 1.800
milhas de vias protegidas para peões e bicicletas.
Ir de bicicleta para o trabalho é considerado por alguns
médicos como “a pílula milagrosa”, reduzindo enormemente as oportunidades de
morte prematura: se você quer salvar o Serviço Nacional de Saúde, ande de
bicicleta. Mas o apoio do governo central é fraco e contraditório, e envolve
uma fração do dinheiro que está a ser gasto em novas estradas. O principal
obstáculo para uma revolução da bicicleta é o perigo de se ser atropelado por
um carro.
Até mesmo a mudança para bicicletas (incluindo bicicletas
elétricas e scooters) é apenas parte da resposta. No fundo, este não é uma
questão de veículo, mas uma questão de projeto urbano. Ou melhor, é uma questão
de desenho urbano criado pelo nosso veículo preferido. Os carros tornaram tudo
maior e mais distante. Paris, sob a administração de Anne Hidalgo, está a
tentar reverter essa tendência, criando uma “cidade de 15 minutos”, na qual os
bairros se tornam em comunidades autossuficientes - cada um com suas próprias,
parques, escolas e locais de trabalho, a 15 minutos a pé da casa de todos.
Julgo que esta é a mudança radical de que todas as
cidades precisam. Isso transformaria o nosso sentido de pertença, a nossa vida
em comunidade, a nossa saúde e a nossas perspetivas de emprego local, ao mesmo
tempo que reduziria muito a poluição, o ruído e os perigos. Os transportes
sempre significaram muito mais do que transportes. A maneira como viajamos
ajuda a determinar a maneira como vivemos. Neste momento, trancados nas nossas
caixas de metal, não vivemos bem.
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