quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Montemor-o-Velho: Navigator executa e paga obra pública no Mondego


«A papeleira Navigator assumiu uma obra em curso de recuperação do canal condutor geral do rio Mondego, em Montemor-o-Velho, em domínio público hídrico do Estado, da responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente, que autorizou. Agricultores e proprietários agrícolas, entre outros, não contestam a realização, por privados, da intervenção no canal – alegando que há anos que as celuloses são, na prática, os responsáveis pela manutenção da infraestrutura, já que a água, em especial a que a Navigator dali recebe, é crucial para a sua produção de papel e pasta de papel – mas apontam a falta de transparência do processo e a alegada ausência de mecanismos de contratação pública. (…) O presidente da Câmara de Montemor-o-Velho, Emílio Torrão, afirmava que existiam na região duas obras de fecho provisório dos diques e uma terceira “feita pelas papeleiras” sobre a qual a autarquia “não foi informada”. Já Armindo Valente, vice-presidente da Associação de Beneficiários da Obra Hidroagrícola do Baixo Mondego, entidade responsável pelo regadio agrícola do Mondego (…) assumia que a obra “está a ser paga pelas indústrias para terem água”.
“Nós não contestamos a situação, até porque há uma boa relação entre os agricultores e a indústria. E se não forem as indústrias a pagar, com o Estado é um processo muito complicado para fazer o que quer que seja, porque tem de fazer contratação pública e as indústrias acabam por agilizar o processo”, argumentou.
Armindo Valente reconhece que, “na opinião pública, não se percebe como aquilo é feito, se [as indústrias] pagam menos taxas [de recursos hídricos] ou se há outra maneira de as ressarcir”.
Jorge Camarneiro, empresário e antigo vereador da CDU em Montemor-o-Velho, é taxativo quando refere que as celuloses “aparentemente sem contratos públicos, contratualizaram uma obra em propriedade pública e está mais do que claro que os procedimentos são mais ou menos lestos conforme os interesses das celuloses”.
“No dia das cheias, ainda estava tudo debaixo de água, com ameaça de roturas e de catástrofe e já as celuloses estavam a tratar de repor uma bomba [na estação do Foja] que não trabalhava há 20 anos. É legítimo, porque precisam de água, agora o que não é legítimo é que se oculte tudo isto, se faça tudo isto de uma forma meio secreta, quando se está a tratar de interesse público”, acusa o empresário de 60 anos, natural de Montemor-o-Velho.
Acresce que as intervenções feitas por privados em domínio público no Mondego já tinham sido alvo de reparo pelo Tribunal de Contas, em 2017, no âmbito de uma auditoria realizada aos Fundos Ambientais. Na sua análise, o TdC contestou uma candidatura da então Soporcel (hoje Navigator), realizada em abril de 2014, no valor de 2,5 milhões de euros ao Fundo de Proteção de Recursos Hídricos para “reabilitação de troços do canal condutor geral do Mondego”, após ter concluído, um mês antes, uma “reparação de emergência” com um custo de mais de 150 mil euros.
Na altura, o Tribunal de Contas argumentou que os trabalhos que a papeleira se propunha executar eram responsabilidade da APA, “respeitam a um canal situado no domínio público hídrico, que integra o Aproveitamento Hidráulico do Mondego e é propriedade do Estado”, e alegava não encontrar “motivos que justifiquem entregar a realização de uma obra pública a uma entidade privada quando esta é da competência de um instituto público”. (…) Sem divulgar o montante total da intervenção, a tutela reafirma que a reparação dos danos no canal, “de cujo funcionamento as unidades industriais de celulose são beneficiárias diretas, foi autorizada pela APA e será suportada pela Navigator”, devendo estar concluída em meados de fevereiro.» AgroPortal.

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