sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Reflexão: «Crise da Amazónia no Brasil está enraizada no seu passado fascista»


«Durante os anos 80, uma série de imagens e filmes chocantes mostraram uma enorme devastação que avançava em Rondônia. Aí, uma velha área de floresta tropical de tamanho semelhante ao da Grã-Bretanha estava a ser destruída a um ritmo recorde. Enquanto os incêndios geravam enormes nuvens de fumo, milhares de indígenas que viviam na floresta morreram nas mãos de fazendeiros e agricultores, mortos a tiros, envenenados ou deliberadamente infetados com varíola.

Esta devastação, retratada em documentários como "Década de Destruição", de Adrian Cowell, estava a ser financiada pelo Banco Mundial, que havia convencido a ditadura militar brasileira autoritária e não eleita, de que derrubar grande parte da floresta seria bom para a economia. O resultado dessa parceria foi o notório projeto Polonoroeste de 1981. O Banco Mundial emprestou cerca de 440 milhões de dólares e prestou apoio técnico a uma ditadura militar autoritária, conhecida por cometer atos de genocídio contra tribos indígenas na Amazônia, para pavimentar a estrada de terra 364 (intransitável durante a estação chuvosa, na época), ligar uma rede de estradas que cortaram a floresta tropical e forneçer infraestruturas para p alojamento de 30 mil famílias migrantes do sul do Brasil. Os contribuintes brasileiros, que não se manifestaram sobre o assunto, seriam obrigados a pagar o empréstimo com juros nas próximas décadas, enquanto presidentes neoliberais como Fernando Henrique Cardoso usavam a dívida do Brasil como desculpa para não financiar adequadamente os sistemas de saúde e educação. 0,19% do orçamento do projeto estava destinado a proteção ambiental.

No ensaio “Avenida dos sonhos desfeitos: a história por dentro do Projeto Rodoviário Polonoroeste do Banco Mundial na Amazónia brasileira", Robert H. Wade analisa as comunicações internas dentro do Banco Mundial durante a implementação da Polonoroeste. O chefe da Divisão de Programas, Robert Skillings, estava no Banco Mundial desde 1947 e considerava o projeto a sua obra-prima final antes de se aposentar. Um após outro, ele conseguiu neutralizar e afastar do projeto todos os tecnocratas de bancos que criticavam a operacionalidade, ética, direitos humanos e estratégias ambientais. Muitas pessoas dentro do banco sabiam que um desastre ambiental e de direitos humanos estava em marcha, mas as suas críticas foram silenciadas. (…)
Para o Banco Mundial, derrubar árvores e queimar petróleo ajudam no crescimento do PIB a curto prazo. Por enquanto. Tratar os danos ambientais como uma externalidade continua a ser um dos maiores problemas da economia monetarista/neoliberal até hoje. Se os danos ambientais de médio e longo prazo fossem calculados nos seus modelos de desenvolvimento, eles entrariam em colapso.
O desastre em Rondônia levou ao surgimento de ONGs ambientais internacionais como atores importantes no cenário internacional. Como resultado do fracasso de Polonoroeste, o Banco Mundial começou a consultar ONGs sobre todos os seus futuros projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo, embora muitas vezes lhes dessem pouco mais do que elogios.

Polonoroeste representou um dos últimos projetos de desenvolvimento em larga escala da Ditadura Militar, que foi deposta em 1985. Até hoje, oficiais militares da época recusam-se a admitir que foi um fracasso. Afinal, Rondônia é hoje um dos principais produtores de soja e carne transgénica para os mercados internacionais e, embora essas atividades sejam de baixa intensidade de trabalho, elas dão muito dinheiro aos grandes fazendeiros e fornecedores da cadeia de valor do agronegócio e com as empresas internacionais que lucram com eles, como a Cargill, que atualmente está expandindo a sua capacidade de exportar soja transgénica a partir do seu terminal de cereais de Porto Velho de 3,5 para 6 milhões de toneladas por ano.
Eu viajei Rondônia durante a última semana de julho. Aí soube que o governo de Bolsonaro está a planear duplicar Polonoroeste no Amazonas através de um processo a que chamam de “Rondonização”.
Quando Dilma Rousseff era presidente, a Rodovia 319, que liga Porto Velho à capital do Amazonas, Manaus, era uma estrada de terra intransitável durante a estação chuvosa. Após o golpe de 2016, Michel Temer cortou o financiamento ao Ibama, o órgão de proteção/ fiscalização ambiental, em 51% e começou a pavimentar a rodovia 319. O troço de 120 Km entre Porto Velho e Humaitá, no Amazonas, que atualmente é o epicentro de incêndios no Amazonas, já está pavimentado. Antes, levava dois dias para chegar de Porto Velho. Agora, como descobriram as multidões de jornalistas internacionais que pululam para a área, é alcançável em questão de horas. O governo Bolsonaro estripou ainda mais o Ibama e tornou disfuncional, demitindo os superintendentes em 22 estados e ordenando que interrompessem todas as atividades, a menos que sejam aprovadas em Brasília, por inimigos do ambientalismo ligados ao agronegócio internacional.
O governo está a avançar na pavimentação do restante da estrada até Manaus, e planeia estabelecer uma rede de estradas de serviço semelhantes que funcionam como "veias sugando tudo da floresta".

Durante o período em que a Ditadura Militar e o Banco Mundial trabalharam juntos na tragédia ecológica e de direitos humanos de Polonoroeste, Jair Bolsonaro foi capitão do exército. 16 dos seus ministros são generais aposentados que também trabalhavam na ditadura. Eles não acham que havia algo errado com o projeto, quer do ponto de vista ambiental quer de direitos humanos. É por isso que agora eles estão a começar a "Rondonizar" o resto da floresta tropical.» 
Brian Mier, in TruthDigg.


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