«Porque hoje é sexta-feira, Greta Thunberg vai faltar às aulas e passar o dia à porta do parlamento de Estocolmo com um cartaz que diz “Skolstrejk för klimatet”. Tradução: greve à escola em defesa do clima. Pelo menos, foi assim que passou as últimas 27 sextas-feiras.
Em seis meses, o esforço solitário desta adolescente sueca fez nascer um movimento internacional, fez cair uma ministra do Ambiente e matou a ideia de que os jovens da era digital são individualistas e só pensam em likes no Instagram. Ao mesmo tempo, deu voz à nova “geração de Gretas”, a geração de adolescentes ecológicos e preocupados, que está a emergir e deve ser levada a sério. Há dias, numa conferência de imprensa em Bruxelas, uma adolescente belga respondeu assim a uma jornalista da televisão pública: “A pergunta não é quando é que vamos parar [de faltar às aulas], mas quando é que os políticos vão começar a cumprir o Acordo de Paris.”
Talvez por ter síndrome de Asperger, Greta Thunberg, 16 anos, tem uma obsessão radical pelas alterações climáticas. Aos 11 anos ficou deprimida quando percebeu que os adultos não se preocupavam com o planeta. Sentiu que não ia conseguir fazer nada de útil, ficou em casa e só queria morrer. Os pais, um actor e uma cantora de ópera, abandonaram as carreiras e ficaram um ano em casa com ela. Dessa ida aos fundos, os pais saíram convertidos e a filha saiu activista. A mãe voltou a cantar mas só na Suécia — deixou de andar de avião. Todos abandonaram a carne e os lacticínios.
(…)
Só quem não quer é que não vê que os jovens estão acordados. Na Roménia, há centenas de milhares de jovens que protestam na rua contra o actual governo (herdeiro do comunismo de Nicolai Ceausescu), que há dois anos altera a legislação de modo a proteger os políticos corruptos. Nos EUA, milhares de estudantes fizeram protestos a seguir ao massacre na escola secundária Marjory Stoneman Douglas, na Flórida, onde um antigo aluno matou a tiro 17 estudantes e funcionários. Foi nesses adolescentes que Greta Thunberg se inspirou. Ela viu que a seguir ao “national school walkout” — os alunos saíram da escola às dez da manhã e faltaram às aulas em Nova Iorque, Chicago, Atlanta, Santa Mónica e Denver, mas também em comunidades rurais como Potosi, no Wisconsin — o Governador da Flórida assinou uma nova lei que subiu de 18 para 21 anos a idade mínima para comprar uma arma e impôs três dias de espera até a arma ser entregue. Em Agosto de 2018, dias antes de Thunberg iniciar o seu protesto em Estocolmo, vários estados americanos, incluindo 14 com governadores republicanos, tinham aprovado 50 novas leis para restringir o acesso a armas.
A semana passada, a Economist fez capa sobre o “regresso do socialismo” e a emergência do “socialismo millennial”, pondo as coisas nestes termos: como a direita deixou de defender ideais e se fechou no chauvinismo e na nostalgia, e a esquerda se focou na igualdade e no ambiente, os jovens encontram no socialismo a forma de fazerem uma crítica incisiva sobre o que está mal.
Os jovens podem estar descontentes com a democracia, mas não estão a dormir. A razão está do seu lado: pedem que se faça o que a ciência e as Nações Unidas dizem que é preciso fazer.
Inspirados na perseverança de Greta Thunberg, nos últimos seis meses houve “greves à escola pelo clima” em 300 cidades. Perto de meio milhão de miúdos de 15 e 16 anos foram para a rua. Uns fazem greve sozinhos todas as sextas. Outros lideram protestos de milhares, como no Reino Unido, na Bélgica, na Alemanha e na Austrália. Chamam-lhe “school strike for climate”, “Fridays for Future”, “Youth for Climate”, “Klimastreik”, “grève du climat”. A velocidade e a projecção do novo movimento espantou veteranos do activismo ambiental.»
Bárbara Reis, in A greve que Portugal ainda não viu – Público 1mar2019.
Nota: versão portuguesa do discurso de Greta Thunberg ao Secretário Geral das Nações Unidas António Guterres, em Davos, publicado pelo Ambiente Ondas3 de 4 de dezembro de 2018.
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