quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Reflexão - Se soubésseis quanto custa ordenar uma costa...

Capela de S. João, Paramos-Espinho. Foto: António Ferreira da Rocha, 9fev2014

Se soubésseis quanto custa ordenar uma costa...
in Maré Viva de 5 de dezembro de 2018.

Ao divulgar o lançamento do debate público sobre o novo Programa da Orla Costeira (POC) Caminha-Espinho, os media de referência não hesitaram em reduzi-lo ao único objetivo de demolir edifícios e estruturas em risco de serem engolidas pelo mar. Os títulos não poderiam ser mais bombásticos e alarmantes: «Agência do Ambiente quer demolir centenas de casas», «Casas e comércio no Norte com morte anunciada», «Edifícios marcados para demolição na costa entre Caminha e Espinho».
Criou-se, assim, um ambiente propício para municiar alguns autarcas com armas de arremesso contra o governo central, contra diabos que pretendem criar um inferno para muita gente, e assistiu-se à reposição do filme exibido por altura da apresentação e discussão dos POOCs anteriores. Há autarcas que não hesitam em emular o mesmo guião por outros desempenhado em 1999 e 2007, quais vítimas de súbita amnésia em relação ao processo de debate e aprovação de POOCs anteriores, alijando responsabilidades pela inércia que, durante muito tempo, ajudaram a insuflar e pelo pouco ou nada feito para ajudar a combater o inexorável avanço do mar, assumindo uma pretensa virgindade em relação ao conhecimento que deviam ter dos impactos do aquecimento global e das alterações climáticas.
Mas, afinal, o que ocultará este POC de tão tenebroso para merecer um levantamento autárquico tão assertivo e mediático? Basto estranho, tendo em conta que, para este POC, terão contribuído as ideias apuradas em dezenas de reuniões de trabalho com técnicos do Ministério do Ambiente e Autarquias desde 2015. Terão os senhores autarcas faltado a essas reuniões? Terão andado ocupados com outros assuntos mais prementes?
O novo POC não introduz nenhuma grande novidade, não recomenda nada que as anteriores versões não tivessem proposto. Digam os senhores autarcas e os senhores governantes por que motivo andaram, durante todo este tempo, a pigarrear, a arrastar os pés e a empurrar o problema com a barriga em vez de aplicar algumas das medidas então apontadas. Digam os senhores autarcas locais por que razão insistiram na implantação de uma via permeável sobre cordão dunar sujeito a galgamentos e inundações, enterrando pareceres contrários de peritos oficiais.
Este POC tenta, mais uma vez, prevenir tragédias humanas, disciplinar a ocupação da orla costeira, estancar a expansão imobiliária em zonas há muito ameaçadas por galgamentos e inundações e promover a deslocalização faseada de alguns núcleos de habitações em áreas muito críticas, nomeadamente junto à Capela de S. João, na Praia de Paramos. Estão, entretanto, orçamentados vários milhões de euros para uma série de intervenções a concretizar  entre 2019 e 2028, nomeadamente alimentação artificial de praias, construção e reforço de quebra-mares, demolições e requalificação de praias. Pormenores de somenos importância, dirão alguns.
A proximidade de eleições terá estimulado seis Câmaras Municipais a ameaçar impugnar o plano de demolições proposto por este POC. Para além de fruírem a oportunidade de esgrimir os seus argumentos num programa de televisão de largo espectro e em hora nobre, lograram uma audiência coletiva com o Ministro do Ambiente. Sua Excelência não só prometeu apresentar uma proposta no sentido de rever a proibição de construção em zonas urbanas consolidadas, como ainda garantiu que as habitações em perigo seriam demolidas e as famílias indemnizadas e realojadas através do Programa 1º Direito.
Daqui a alguns anos, veremos se quem agora tenta levantar todo o tipo de obstáculos à concretização deste POC irá assumir responsabilidades por eventuais prejuízos ou tragédias.

1 comentário:

OLima disse...

Biosfera 9mai2019 - Álvaro Reis e outros; imagens de Espinho e outros locais.
https://www.rtp.pt/play/p5373/e405787/biosfera