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por Mark Kurlansky in The Guardian
«Recebi esta notícia com uma sensação de medo. Segundo o Marine Stewardship Council (MSC), que avalia a sustentabilidade dos peixes a nível mundial, o bacalhau do Mar do Norte está "de volta". Diz que os estoques atuais são tais que agora podem ser pescados sem medo e comprados sem culpa por consumidores amigos do Ambiente.
Tendo em conta que o bacalhau do Mar do Norte estava em vias de extinção desde a década de 1970, isso parece ser uma notícia surpreendente e bem-vinda. Após décadas de quotas de pesca reduzidas, menos embarcações, tempo limitado no mar, redes de malhas mais largas, o encerramento periódico de algumas zonas, o bacalhau recuperou no Mar do Norte. Os pescadores receberam promessas de que se se submetessem a este regime draconiano, no futuro os estoques seriam restaurados e eles poderiam regressar a uma indústria próspera em grande escala.
Se isso é verdade, estou muito feliz pelos pescadores. Eles mereceram-no. No entanto, há muito tempo que tenho acompanhado as pescas e muitas vezes essas boas notícias são o prelúdio do desastre. Além disso, sendo a ecologia oceânica continuamente alterada pelas mudanças climáticas, quem considerar a sobrepesca o problema central na sobrevivência do peixe não vive no século XXI.
Em termos de estoques de peixes, lembro-me das "boas notícias" dos Grand Banks, ao largo da Terra Nova, no início da década de 1990, pouco antes do colapso de 1992. Lembro-me no início deste século, quando os biólogos descobriram que a solha era abundante no Georges Bank, Entre Cape Cod e a Nova Scotia, e enviaram as frotas atrás dela, apenas para descobrir que o estoque não era tão bom e que levou anos para se recuperar.
Tais incidentes são sempre rotulados de "sobrepesca" e é isso que a sobrepesca é principalmente nos dias de hoje. No entanto, na Europa ocidental e na América do Norte, é raro os pescadores capturarem mais peixes do que lhes é permitido: a maioria da sobrepesca é causada por entidades reguladoras que dizem aos pescadores para capturarem muito peixe. Com Waitrose e as outras grandes cadeias alinhadas para comprar bacalhau do Mar do Norte, se os biólogos estão errados ou mal interpretados pelos reguladores, que, excitados, permitem que muito peixe sejam pescado, os impactos serão novamente atribuídos aos pescadores. Dir-se-á que o Mar do Norte foi, mais uma vez, vítima de sobrepesca.
Como é que isso foi possível?
Primeiro, o MSC está longe de ser infalível, embora o seu rótulo azul na embalagem mereça a confiança dos consumidores, especialmente na Europa. O MSC foi fundado em 1996 em Londres, fruto de um casamento estranho entre o World Wide Fund for Nature e a multinacional holandesa Unilever. Eu apoiava-o e falei e participei em reuniões de alto nível.
A ideia do conselho era avaliar todas as empresas pesqueiras mundiais, examinar cada uma diretamente e informar os consumidores que peixe era pescado de forma sustentável. Os consumidores com consciência querem saber e, por isso, pensei que este era um serviço muito valioso, embora não conseguisse imaginar como eles poderiam analisar minuciosamente todas as empresas pesqueiras, especialmente porque deveriam ser regularmente inspecionadas para garantir que mantinham os seus padrões.
O MSC certificou cerca de 20 mil produtos de peixe a nível internacional. Fê-lo levando as empresas pesqueiras a contratar auditores independentes para informar o conselho e eles estão dispostos a fazer isso porque um certificado MSC tem valor comercial.
Porém, não admira que algumas das suas conclusões sejam controversas e algumas sejam bastante contestadas. Por exemplo, o MSC certificou seis empresas pesqueiras de merluza-negra Patagónia. Muitos biólogos querem saber como pode uma empresa pesqueira ser considerada sustentável se captura peixe de águas profundas de que se sabe pouco, que atinge a maturidade sexual após muitos anos; a espécie está provavelmente a ser levada à extinção.
Por um lado, o tamanho do estoque de reprodutores do bacalhau do Mar do Norte, embora muito mais abundante do que em qualquer altura deste jovem século, ainda é muito menor do que era em 1970. É o que os biólogos chamam "o problema de mudar as linhas de base"; em suma, aprendemos a aceitar padrões mais baixos, de modo que o estoque de 2000 se torne um novo ponto de referência.
Mesmo que o número de peixes reprodutores fosse maior, existem muitas dinâmicas oceânicas sobre as quais sabemos tão pouco que não é absurdo questionar se a sustentabilidade nas pescas é um julgamento que possa ser feito com certeza.
Os derrames de hidrocarbonetos, os plásticos abandonados, que acabam no mar e os venenos industriais, como os metais pesados e os PCBs, todos podem ter impactos na reprodução dos peixes.
As alterações climáticas estão a mudar a ecologia oceânica e os habitats. Os mares estão a ficar mais quentes e os peixes estão a deslocar-se para o norte. Os oceanos também estão a ficar menos salgados devido ao derretimento do gelo. Este impacto ainda não está totalmente compreendido, mas como a salinidade e a temperatura são sinais importantes para a reprodução, receamos estar a prejudicar a capacidade de reprodução de alguns peixes.
As alterações climáticas são impulsionadas pelas emissões de dióxido de carbono, principalmente pela queima de combustíveis fósseis. Enormes quantidades de carbono estão a entrar no oceano e a ter um impacto na capacidade de crescimento do marisco e dos corais. É preciso investigar mais para se compreender o efeito de tais mudanças nos peixes.
A questão que se coloca é esta: os peixes estão a crescer e a reproduzir-se como antigamente? Então, quando há a boa notícia de um estoque de peixes que melhora, devemos, naturalmente, alegrar-nos. Talvez isso queira dizer que algumas das medidas problemáticas que foram aplicadas às custas do pescador tiveram um efeito positivo. No entanto, espera-se que se tenha aprendido as lições e que o mundo das pescas avance agora com cautela.»
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