As mineradoras não são as únicas interessadas nas riquezas das profundezas: governos como o dos EUAtambém conduzem a sua própria investigação científica há várias décadas. Em 1960, o USS Chesapeake foi uma missão pioneira liderada pela Marinha norte-americana e dedicada a avaliar os recursos minerais do fundo do mar. A investigação científica independente condenou imediatamente a destruição do fundo marinho.
Criada em 1982, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos foi uma das poucas organizações internacionais a regulamentar a exploração dos fundos marinhos. A sua criação foi um primeiro passo para ter em conta uma área que ainda não estava completamente regulamentada. No entanto, estas preocupações não impediram que países como a China e o Japão investissem na robótica submarina nos anos 2000. Mesmo assim, a prática continua a ser marginal, devido aos custos elevadíssimos envolvidos e à impossibilidade de fazer progressos técnicos que correspondam aos objetivos.
Estes obstáculos não impediram o nascimento de empresas com o objetivo de explorar os fundos marinhos, como OMA, Ocean Mining Associate e a Nautilus Minerals, entretanto falida.
Além disso, a pressão crescente das ONG sobre questões ecológicas e éticas, como a Deep Sea Conservation Coalition e a Tara Ocean, que lutam contra a exploração mineira dos fundos marinhos, que ainda é pouco praticada, mas que pode vir a intensificar-se. As zonas do Oceano Pacífico já estão maduras para este tipo de exploração.
André Abreu, Diretor de Relações Internacionais da Tara Ocean, demonstra porque é que explorar o fundo do mar, um dos ecossistemas menos estudados, é uma heresia: "Nem sequer sabemos tudo o que se esconde nestas profundezas, mas queremos ir lá a todo o custo para explorar metais. É uma loucura! Não se trata apenas de uma ameaça para as espécies marinhas, mas também para a biodiversidade que depende destes sedimentos marinhos, que desempenham um papel essencial na fotossíntese submarina. Se os destruirmos, estamos também a destruir parte da capacidade de respiração do mar! "
A Deep Sea Conservation Coalition (DSCC), um grupo de organizações não governamentais activas na proteção dos ecossistemas de águas profundas, tem vindo a abordar esta questão há muitos anos. Travis, um dos seus porta-vozes, afirma que já foram adotadas leis para regulamentar a exploração mineira em águas profundas. Por exemplo, o parlamento francês aprovou em julho de 2023 uma lei que proíbe a exploração mineira em águas profundas em França. Os deputados franceses e um membro do parlamento de Vanuatu lançaram mesmo uma declaração parlamentar global que apela a uma moratória sobre a extração mineira em águas profundas, com 262 signatários em 52 países, para contrariar os Estados que não estão dispostos a cumprir os regulamentos.
A nível global, o ímpeto a favor de uma moratória continua a crescer, de acordo com Travis: "Há uma coligação intersetorial de 32 governos, empresas (Google, Samsung, Philips, Volvo), instituições financeiras, peritos em direitos humanos, cientistas, grupos de pescadores e até comunidades indígenas que estão a fazer soar o alarme.
No entanto, de acordo com a Deep Sea Coalition, vários Estados estão a tentar negociar um código mineiro com a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos que, se for adotado, permitirá que a exploração mineira em águas profundas avance comercialmente: "A exploração mineira em águas profundas tem lugar em áreas fora da jurisdição nacional. Estas empresas não vão parar por nada para poderem investir nesta indústria altamente destrutiva e irreversível num ambiente frágil", diz Travis. Esta será uma batalha a longo prazo, uma vez que a prática é marcada pela corrupção que impede um verdadeiro progresso: "Será necessária pelo menos uma década para obter os dados de que necessitamos para desenvolver e implementar um código mineiro eficaz. A confiança na Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, enquanto instituição responsável pela gestão do património comum da humanidade, sofreu uma erosão considerável. O seu atual código mineiro contém um programa centrado exclusivamente na indústria. A avaliação científica independente é totalmente inexistente. A Comissão não está, portanto, equipada para agir como protetora das profundezas e regular uma indústria emergente", insiste Travis.
Travis vê estas profundezas como um ecossistema raro, "um tesouro inestimável de espécies desconhecidas, medicamentos que podem salvar vidas e até pistas sobre as origens da própria vida". As potenciais consequências da extração mineira em águas profundas vão, portanto, muito além da sua destruição imediata. É evidente que estes ecossistemas de profundidade são ricos em biodiversidade, extremamente frágeis e já estão a ser severamente testados pelos efeitos das alterações climáticas, da pesca de profundidade, da poluição e dos plásticos.
Travis explica ainda a escala das consequências devastadoras: "Cada operação mineira pode explorar 15.000 km2 com uma licença de 30 anos. Se as 17 licenças na zona de Clarion-Clipperton fossem exploradas, uma área do tamanho da França poderia ser afetada, destruindo a maior parte da vida no fundo do mar e logo abaixo dele. As plumas de sedimentos resultantes das atividades mineiras poderiam espalhar-se muito para além dos locais de exploração, sufocando ou matando organismos que se alimentam por filtração e outras espécies de profundidade".
Carregados de metais descarregados pelos navios durante as operações mineiras, podem viajar centenas de quilómetros a partir dos locais de extração, afetando os ecossistemas oceânicos a várias profundidades e entrando mesmo na cadeia alimentar marinha.
Esta exploração mineira vai também perturbar alguns dos maiores sumidouros de carbono do planeta e comprometer o papel crucial dos fundos marinhos na mitigação dos impactos das alterações climáticas. De acordo com André Abreu, estes montes submarinos são um dos maiores reservatórios de biodiversidade do planeta. São locais de reprodução da vida. Cita o trabalho da sua ONG e do Ifremer, que estuda de perto o papel vital dos sedimentos: "O seu papel ecológico é essencial. Se os destruirmos, estamos a destruir muito mais do que recursos naturais. Estamos a pôr em perigo a biodiversidade marinha como um todo.”
O clamor internacional a favor de uma moratória é uma chamada de atenção que não pode ser ignorada. "A exploração mineira em águas profundas perpetuaria o modelo destrutivo da indústria dos combustíveis fósseis em terra, que já dura há demasiado tempo, numa altura em que todos precisamos de encontrar alternativas para o nosso sistema global falhado", conclui Travis. Já para não falar que a investigação em águas profundas é subfinanciada, obrigando os cientistas a depender ironicamente de parcerias com empresas mineiras para terem acesso aos navios e equipamentos mais avançados. Esta dependência pode comprometer a integridade dos esforços de investigação.
Felizmente para a luta ecológica, estas tecnologias continuam a ser demasiado dispendiosas e decididamente destrutivas: "As máquinas que raspam o fundo do mar não podem ser a solução. Não podemos aceitar isso", afirma André Abreu, que lembra que alternativas como a reciclagem de metais existem, mas são menos atrativas para estas empresas: "Os metais que queremos explorar também estão nas nossas baterias e nos nossos telefones. Estamos a começar a reciclá-los e daqui a dez anos vamos poder reciclar ainda mais. Então, porque não investir nisto em vez de destruir os nossos oceanos?”
De qualquer modo, as águas profundas são demasiado remotas, exigindo equipamento especializado, como veículos operados remotamente, submersíveis e navios de investigação avançados, para atingir as profundezas. Estas ferramentas são demasiado caras, o que dificulta a realização de estudos exaustivos.
No entanto, os avanços tecnológicos podem ser mais rápidos do que imaginamos. André Abreu recorda-nos a importância da pausa preventiva: “É um termo técnico para dizer que temos de parar antes que seja tarde demais. Estamos num ponto de rutura. Ou paramos agora, ou deixamos a indústria minar os últimos espaços intactos do planeta! Temos de continuar a lutar para proteger os nossos oceanos. Se esperarmos demasiado tempo, será demasiado tarde.
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