quinta-feira, 22 de agosto de 2024

REFLEXÃO: 14% DA FLORESTA MADEIRENSE QUEIMADA EM 6 DIAS

Em seis dias, um só fogo destruiu 14% da área florestal da Madeira. Nos últimos 20 anos, arderam perto de 40.500 hectares. Sem vegetação para reter o solo face às chuvas, risco de derrocadas como as de 2010 é agravado.

Um único fogo, o que começou na serra de Água, na Madeira, há seis dias, consumiu uma área de 8162 hectares, o que representa 14% de toda a área florestal da ilha. Esta ocorrência está perto de destronar toda a área ardida na pior época de fogos na Madeira nos últimos 25 anos, que ocorreu em 2010, e que queimou 8632 hectares.

Os incêndios florestais não são uma realidade nova para a ilha. Em 2016, por exemplo, consumiram a vegetação que envolve a cidade do Funchal, destruíram 6270 hectares, diversas habitações e tiraram a vida a três pessoas. Nos últimos 20 anos (2004-2023) arderam perto de 40.500 hectares, o que representa 70% da área orestal da Madeira.

E isto aqui significa muito. Miguel Sequeira, botânico e professor na Universidade da Madeira, explica porquê: “Aqui as plantas nativas não estão preparadas para o fogo. Logo a regeneração é muito difícil, o que favorece a invasão das plantas exóticas.” O universitário, que já dirigiu o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) do arquipé lago, lamenta que neste incêndio tenham ardido fragmentos de laurissilva quer do barbuzano, quer ripícola, ambas de grande valor ecológico, além de teixo e vegetação de altitude como o urzal. Daí que Miguel Sequeira não perceba a falta de investimento crónico para prevenir os incêndios e proteger os 58 mil hectares de área florestal da ilha, que representam mais de três quartos da ilha da Madeira. “A floresta gera uma riqueza gigantesca. Traz milhares e milhares de pessoas todos os anos à Madeira para fazerem as veredas e as levadas. Será que não se pode destacar parte desse dinheiro para a floresta?”, pergunta o botânico. (…)

Em 2020 e 2021 não foram contabilizados quaisquer trabalhos de limpeza. (…) Paulo Fernandes [investigador e professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro] lamenta que não se veja limpeza de vegetação à volta das casas e das povoações, o que poderia evitar muitos dos momentos de ação a que se tem assistido.

O Plano Regional de Ordenamento Florestal (PROF) da região autónoma, aprovado em 2015, determinava como objetivo elaborar o plano regional da defesa da floresta contra incêndios num prazo de três a cinco anos. Mas nove anos depois não se encontra qualquer documento estratégico semelhante. O PÚBLICO pediu explicações à Secretaria Regional de Ambiente e Recursos Naturais, mas ainda não obteve resposta. Estava ainda prevista a criação da chamada “rede primária” – faixas de redução ou interrupção de combustíveis, com cerca de 125 metros de largura, que visam garantir condições favoráveis para diminuição da superfície percorrida por grandes incêndios –, mas os dados do instituto contabilizam zero hectares desde 2015.

Miguel Sequeira alerta para os eventuais efeitos secundários dos incêndios, no Inverno, explicando que, se chover muito, como não há vegetação para reter o solo, as populações podem ser vítimas de derrocadas como as que mataram 51 pessoas em 2010. “Na Madeira a protecção da floresta não é só uma questão de ecologia, mas é uma questão de proteção das pessoas”, sublinha. E lamenta que as populações, e por arrasto os políticos, ainda não tenham percebido a importância da floresta para a própria viabilidade do arquipélago.

Mariana Oliveira, Público 21ago29024.

PS - Vídeo mostra área afetada pelo fogo na Madeira com base em dados satélite.

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