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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Reflexão – ‘Financeirização da Natureza – quando os créditos de carbono são também utilizados para pagar investidores’

A plataforma de crowdfunding Enerfip lançou uma grande angariação de fundos para financiar projetos de restauração florestal cuja venda de créditos de carbono associados permitirá a remuneração dos investidores. Além da fiabilidade destes créditos de carbono, alvo de numerosos escândalos, a taxa de rentabilidade anunciada superior a 8% representa um risco de financeirização do setor. Podemos realmente combinar interesses económicos e ambientais?

A Enerfip, plataforma de crowdfunding especializada na transição energética, angariou no final de setembro 1,5 milhões de euros para financiar dois projetos de florestação e reflorestação no oeste de França. Estes projectos florestais irão sequestrar 40.000 toneladas de CO2 durante trinta anos. Irão gerar créditos de carbono, rotulados pelo governo através do Selo Baixo Carbono, criado em 2018. A venda destes créditos de carbono a empresas que pretendam compensar as suas emissões de CO2 permitirá então remunerar os investidores iniciais, a uma taxa atrativa de 8,25% ao ano.

A história poderia ter acabado aqui. Mas a presença da Alliance Forêt Bois (AFB) entre os líderes do projeto levanta questões. A maior cooperativa florestal francesa é, de facto, regularmente alvo de críticas pelas suas práticas centradas no corte raso e na plantação de coníferas em monoculturas, mais adequadas do que as madeiras nobres para abastecimento industrial. “Todas as árvores de folha caduca estão a ser arrasadas para serem substituídas por plantações de pinheiro bravo, abeto Douglas ou choupo”, lamenta Canopée num relatório dedicado à empresa.

O presidente e cofundador da Enerfip, Julien Hostache, admite que a AFB “se envolve em práticas mais do que repreensíveis para os seus próprios projetos”. “Mas, como prestador de serviços, ele cumpre as especificações muito rigorosas que estabelecemos”, garante.

No total, cerca de vinte parcelas ditas “degradadas” serão sujeitas a restauro com um mínimo de “duas espécies diferentes por parcela”, indica a plataforma. “Mas há grandes falhas, pois consideramos que um terreno está degradado com 20% de árvores mortas. Podemos, portanto, realizar o corte raso ali de forma totalmente legal. Da mesma forma, podemos falar em diversificação a partir de apenas duas espécies plantadas”, lamenta Sylvain Angerand, coordenador de campanha de Canopée. Para o especialista, essas práticas não são compatíveis com a gestão florestal sustentável e priviligiam a alta rentabilidade. “O retorno oferecido aos investidores é extraordinário comparado com a realidade económica do setor. Para oferecer tal retorno, o mecanismo consiste em gerar créditos de carbono a preços baixos e revendê-los com uma margem confortável”, explica. É por isso que a AFB foi escolhida. A cooperativa tem plena capacidade de gerar créditos de carbono de 10-20€/tonelada de CO2. Mas a este preço não devemos esperar projetos de grande complexidade técnica. Quem realiza projetos de qualidade tende a ter preços à volta de 80 -100€/tonelada de CO2”.

De acordo com o documento de análise anexo à angariação de fundos, podemos ler que a meta de venda de créditos de carbono é de 45 euros em 2025. Para ter uma rentabilidade de 8,25% ao ano é portanto necessário que o custo do projeto seja muito inferior. “Tudo isso está bem calculado e condizente com o que o projeto pode produzir”, considera Julien Hostache. “Se aplicássemos taxas de rentabilidade mais baixas, sem dúvida teríamos mais dificuldade em atrair investidores que, sejamos sinceros, nem sempre são apaixonados por estes assuntos. Achamos que não devemos ser dogmáticos e avançar quando há projetos que fazem sentido”, conclui.

No entanto, face aos múltiplos escândalos relacionados com os créditos de carbono revelados por vários media e por estudos científicos recentes, o lançamento de tal recolha parece arriscado. Além da fiabilidade destes créditos de carbono, muitas vezes difícil de estabelecer, Canopée apela à regulamentação da financeirização deste mercado. "Propomos que não mais do que 10% das vendas de créditos de carbono vão para o intermediário. Porque quando trouxermos para este mercado intervenientes financeiros, que obtêm margens enormes, será muito difícil voltar atrás", alerta Sylvain Angerand.

Concepcion Alvarez, Novethic.

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