O simplex ambiental, como foi designado o Decreto-Lei nº
11/2023, de 10 de fevereiro, não é mais do que a fragilização de regras
ambientais para que os operadores económicos vejam os seus projetos avançar
mais fácil e rapidamente.
Por Heloísa Apolónia
«Ora, este é objetivamente o primeiro erro em que assenta
o referido diploma legal: parte da premissa de que as regras ambientais e as
exigências de avaliação dos impactes ambientais de um determinado projeto são
um real obstáculo à dinâmica económica e que se incluem num rol de burocracias
administrativas.
Esta é uma lógica que já a Conferência do Rio, em 1992,
procurou combater, com a ideia de que não há desenvolvimento nem progresso, se
o ambiente não for cuidado, desde logo porque ele é uma das bases indispensáveis
para a promoção da qualidade de vida. Contudo, aqueles que dão alma e corpo a
este sistema capitalista, não conseguem entrar nessa engrenagem, a não ser nos
discursos palacianos que floreiam hipocritamente com as cores da Natureza.
Quando toca, no entanto, a tomar decisões, a sua essência desmascara-se e
ajustam as regras ambientais para que sirvam melhor o lucro económico.
Estas opções deixam muitos projetos, com impacto no
ambiente, livres de uma avaliação ambiental, da aferição de medidas
minimizadoras e de um processo de participação dos cidadãos.
É aqui importante referir que o envolvimento dos cidadãos
nas matérias ambientais é crucial e expressamente incentivado por vários
acordos internacionais. Não é, assim, compreensível que o Governo, através da
eliminação da obrigatoriedade de sujeição de variadíssimos projetos a
procedimento de AIA, venha agora impedir os cidadãos de participar nos
processos de consulta pública, a partir dos quais podem obter informação
detalhada sobre os projetos e emitir a sua opinião, as suas preocupações e as
suas sugestões sobre a implementação e execução desses mesmos projetos. O
Governo, a pretexto de gerar maior celeridade nos processos, fragiliza inaceitavelmente
o direito fundamental dos cidadãos à participação ambiental, indo,
inclusivamente, contra o que está inscrito na Constituição da República
Portuguesa, que no seu artigo 66º determina que «para assegurar o direito ao
ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por
meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos»
realizar e promover um conjunto de medidas aí explicitadas. É esse envolvimento
e essa participação dos cidadãos que o Governo está, também, a fragilizar
significativamente.
O designado simplex ambiental facilita, ainda, a obtenção
do benefício do deferimento tácito, quer nos casos de AIA, quer nos
licenciamentos ambientais previstos no regime de prevenção e controlo integrado
da poluição, quer no regime de utilização dos recursos hídricos. Isto
significa, grosso modo, que, se a entidade administrativa não responder dentro
do prazo estipulado, a decisão é favorável à pretensão do proponente ou
promotor. Veja-se, portanto, que, ao invés de o Governo optar por dotar a
Administração Pública de meios humanos e técnicos que permitam analisar os
processos com celeridade e com o rigor necessário, o que faz é encurtar prazos
e permitir um regime de aprovação que, com os parcos meios que a Administração
Pública detém, geram sérias ameaças à viabilização de projetos que impactam
seriamente no ambiente sem a avaliação rigorosa devida. A acrescentar a este
facto, o diploma que o Governo PS aprovou e fez publicar determina que a regra
do deferimento tácito é aplicável aos procedimentos de AIA já em curso, o que
implica, para além de tudo o mais, uma enorme pressão imediata sobre os
serviços técnicos e administrativos.
O Governo, através do simplex ambiental, dá, ainda, outros vários passos atrás em matéria de proteção ambiental. Tomemos a título de exemplo, algumas disposições relativas à área dos resíduos, tais como a diminuição significativa do número de produtores de resíduos perigosos obrigados a apresentar um plano de minimização de produção de resíduos; a permissão de alteração de alguns valores limite para determinadas tipologias de resíduos, permitindo assim a deposição de mais resíduos com características de perigosidade em aterros de resíduos não perigosos; ou a possibilidade de emissão de uma licença ambiental para uma pecuária, sem a obrigatoriedade de aprovação prévia de um plano de gestão dos seus efluentes, podendo este ser aprovado posteriormente. (…)»
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