«Na altura, foi
preciso o esforço das melhores agências de comunicação para arrancar da derrota
do gasoduto dos Pirinéus uma vitória para o governo. Para dourar a pílula, era
preciso anunciar algo novo e espampanante, pelo que se tornou prático dizer que
se ia construir em compensação um gasoduto de hidrogénio verde. Fazer o anúncio
ao lado de Pedro Sánchez e em teleconferência com Emmanuel Macron tornava a
coisa ainda mais solene. A direita em Portugal reclamava do abandono de Sines e
da promessa de fazer desse porto a entrada do gás de fracking dos Estados
Unidos para o centro da Europa. O principal problema do PSD era não ter
qualquer plano e – ao contrário do governo do PS – nenhuma capacidade de
inventar um soundbite sonante como “corredor de energia verde” ou “primeira
grande corredor de hidrogénio da União Europeia”.
O tempo foi
passando e, quatro meses e dezenas de secretários de Estado e ministros mais
tarde, António Costa voltou a socorrer-se deste guião para dizer que a produção
de hidrogénio verde vai ser a nova “reindustrialização” do país.
É preciso
olhar para os projetos em cima da mesa, em particular o gasoduto de Celorico da
Beira até Zamora (chamado CelZa), para clarificar a sua natureza e objetivos.
Este projeto serve principalmente para expandir a infraestrutura de gás fóssil
na Europa e em Portugal. O segundo objetivo é favorecer os interesses dos
acionistas da Galp, da EDP e da REN em particular, criando um novo negócio que
é queimar gás para produzir hidrogénio para exportação. Um terceiro objetivo é
criar desde já a capacidade de exportar eletricidade produzida a partir de
renováveis, apesar das mesmas não conseguirem sequer suprir as nossas
necessidades elétricas atuais.
Clarificamos
então algumas questões sobre este projeto:
O CelZa é um
projeto de, por e para a indústria fóssil. Um gasoduto construído para
transportar gás “natural” não serve para para transportar hidrogénio, mas um
gasoduto construído para transportar hidrogénio serve para transportar gás
“natural”, e este não é um detalhe. Mas há uma grande diferença: o gasoduto
para hidrogénio é muitíssimo mais caro. Assim, o CelZa é um gasoduto que serve
perfeitamente para transportar gás natural, o que sem qualquer dúvida fará.
Os percursos
propostos esclarecem-nos sobre objetivos. Serão desenterrados quilómetros de
gasoduto desde a Figueira da Foz até Celorico da Beira e reconvertidos para
permitirem o transporte de hidrogénio. De onde virá este hidrogénio? O Plano
Nacional do Hidrogénio não o esconde: só na década de 2040 se produzirá mais
hidrogénio “verde” (de origem renovável) do que hidrogénio de origem fóssil,
isto é, o gasoduto não vai ser nenhum corredor de energia verde, mas sim de
hidrogénio, na sua maioria produzido pela queima de gás. É na Figueira da Foz
que se encontra a central a gás de Lares da EDP, de onde pode seguir para o
gasoduto ou gás ou hidrogénio feito a partir da sua queima. Em qualquer um dos
cenários, é um resgate à indústria fóssil.
Todas as
cidades, aldeias e campos no percurso por onde passará este gasoduto não terão
qualquer benefício e, pelo contrário, ocorrerão expropriações, destruição e
devastação. Tudo para a foto de António Costa poder manter-se um pouco como o
retrato de Dorian Gray e o gás que precipita o colapso climático poder
continuar – sob a forma normal ou de hidrogénio cinzento, a alimentar os lucros
dos acionistas da Galp, da EDP e da REN.
João Camargo e Mariana Rodrigues, Expresso, via Climáximo.
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