Os eurodeputados aprovaram a denominação de ‘renovável’
para o hidrogénio produzido a partir de centrais térmicas.
Muitas vezes apresentado como um portador de energia milagrosa,
fácil de usar e pouco poluente, o hidrogénio é muito raro no seu estado puro na
Terra. Antes de poder ser utilizado para encher tanques de automóveis ou
altos-fornos elétricos, deve ser produzido industrialmente. Há dois métodos: a
reforma a vapor, que consiste em "quebrar" moléculas de
hidrocarbonetos (que emitem gases com efeito de estufa para a atmosfera no
processo), e a electrólise, que torna possível a obtenção de hidrogénio através
da quebra de água utilizando uma corrente eléctrica. Este processo é
extremamente intensivo em termos energéticos.
Até agora, apenas o hidrogénio produzido por electrólise
da água utilizando eletricidade renovável podia ser chamado "verde".
A alteração aprovada no Parlamento Europeu poderá mudar isso. Permite que os
produtores de hidrogénio retirem a electricidade da rede nacional para fazer
funcionar os seus electrolisadores. Não importa se a eletricidade provém de
centrais elétricas a gás ou a carvão, especialmente em países cuja mistura de
electricidade ainda é altamente baseada em carbono (como a Espanha ou a
Itália). A alteração permite uma compensação: os produtores apenas terão de
provar que adquiriram uma quantidade equivalente de electrões renováveis
"no mesmo país ou num país vizinho" durante o trimestre para
beneficiarem do rótulo "renovável".
Por exemplo, digamos que um produtor quer fazer funcionar o seu electrolisador numa noite sem vento, quando a produção de turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos está no seu ponto mais baixo. Mesmo que a eletricidade utilizada na altura seja proveniente de centrais térmicas, o hidrogénio produzido pode ser chamado verde se o produtor comprar electricidade renovável no prazo de três meses. "Este é um caso exemplar de lavagem verde", comentou Maxence Cordiez, chefe dos assuntos públicos europeus na Comissão Francesa de Energia Atómica e Energias Alternativas.
Com esta alteração, o Parlamento abandona também o
"princípio da adicionalidade", que estipula que a instalação de novos
electrolisadores deve ser compensada pelo financiamento de novos parques
fotovoltaicos ou eólicos. A Comissão Europeia tinha colocado este princípio no
cerne de um projeto de acto delegado. A ideia é evitar que os electrolisadores
se desviem da produção europeia de eletricidade. O Partido Popular Europeu, que
defendeu a emenda do hidrogénio no Parlamento, relegou este princípio para o
caixote do lixo da história, apesar da oposição da esquerda e dos ecologistas.
Este relaxamento drástico das regras foi saudado por
alguns agentes da indústria. O CEO da Fortescue Future Industries, Mark
Hutchinson, afirmou: "Sem estas mudanças, os investidores teriam
abandonado o mercado europeu para os EUA", onde os produtores beneficiam
agora de um crédito fiscal de 3 dólares por quilo de hidrogénio produzido.
"O que aconteceu é um verdadeiro escândalo",
diz Geert de Cock, responsável pelas questões energéticas na federação de
associações Transportes & Ambiente. Abandonar o princípio da adicionalidade
é "a pior opção". A UE fixou o objetivo de produzir 10 milhões de
toneladas de hidrogénio por ano até 2030, diz ele. De acordo com os cálculos da
Fundação Bellona, tal nível de produção exigiria 500 terawatts-hora de
eletricidade renovável, equivalente ao consumo anual da França. "Isto está
longe de ser marginal”.
Se não forem desenvolvidos novos projetos renováveis
juntamente com os electrolisadores, as centrais elétricas a carvão ou a gás
poderão ser utilizadas para compensar o aumento do consumo de eletricidade na
Europa. "Haverá muito mais pressão sobre a rede, mais emissões de gases
com efeito de estufa e o preço da electricidade subirá", diz ele.
O hidrogénio só faz sentido "se realmente reduzir as
emissões de gases com efeito de estufa", insiste Geert de Cock. Se
utilizar energia limpa para a produzir, mas o resto da rede se torna mais
intensiva em carbono, não faz sentido. Está apenas a deslocar o problema”,
conclui.
A alteração adoptada pelo Parlamento é tanto mais
incompreensível quanto a União Europeia enfrenta uma crise energética sem
precedentes. "Na situação em que nos encontramos, com preços de
eletricidade seis vezes mais altos do que antes do início da guerra na Ucrânia,
este não é o momento de aumentar a procura sem prever projetos adicionais
renováveis".
A alteração tem ainda de passar pela fase de "trílogo",
onde a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu se reúnem para negociações
finais, antes de se tornar lei. Há ainda muitos passos a dar antes de ser
publicado no Jornal Oficial.
Entretanto, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, anunciou a criação de um banco público dedicado ao desenvolvimento
do hidrogénio. Esta instituição terá um orçamento de 3 mil milhões de euros.
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