sábado, 20 de agosto de 2022

Reflexão – ‘Serra da Estrela: os castanheiros no caminho do fogo’

Na envolvente de Manteigas, de entre as várias dezenas de hectares de castinçal (e outras caducifólias) que estiveram na rota do fogo, as perdas verificam-se diminutas, num incêndio que teve uma evolução impetuosa e que pouco poupou à sua passagem. Na verdade, o fogo entrou em grande parte do perímetro dos bosques de folhosas (castanheiros, faias, bétulas, carvalhos), mas as chamas rapidamente diminuíram de intensidade, fenómeno promovido pela capacidade que estes povoamentos têm de controlar de forma natural o crescimento de matos, bem como por promoverem um ambiente mais húmido e fresco no seu interior, pouco propício à inflamabilidade. Desta forma, fomentam frequentemente uma abrupta diminuição da intensidade das chamas ou mesmo a sua própria extinção, numa distância que por vezes se revela surpreendentemente curta.

O que seria deste incêndio se tivesse encontrado uma área muito mais representativa de caducifólias ao longo do seu percurso, nomeadamente nas encostas expostas a norte, sobranceiras a Verdelhos, por onde as chamas desceram ao vale do Zêzere? Provavelmente não se teria propagado à face oposta da encosta, momento a partir do qual começou a assumir proporções incontroláveis.

Se é verdade que esta não é uma solução única nem tampouco extensível a todo o país, também é verdade que poderia estar a produzir resultados muito relevantes numa porção considerável do território, onde as condições edafoclimáticas permitem explorar as potencialidades dos bosques de caducifólias enquanto retardadores da progressão do fogo. Importa pois aliar este fator a vários outros que já têm vindo a ser apresentados publicamente em diversas ocasiões, que não só tornem possível um ordenamento da propriedade e da paisagem, como que permitam criar descontinuidades na vegetação de forma responsável e sustentável, nomeadamente através da promoção do pastoreio e do incentivo da prática agroflorestal.

Que possamos, através destas imagens (que qualquer um pode comprovar visitando a bonita envolvente de Manteigas), absorver alguns ensinamentos que a natureza coloca ao nosso dispor, os quais, para alguns, não serão uma novidade, mas que, lamentavelmente, continuam a ser completamente ignorados pelos decisores na hora de implementar uma gestão da paisagem natural mais sensata, consciente e com visão de futuro. E urge fazê-lo, porque do que é possível perspetivar apenas se vislumbra um irremediável agudizar deste ciclo vicioso, o qual a minha geração vai inevitavelmente receber em mãos: um país pronto a arder descontroladamente todos os Verões.

Manuel Malva.

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