O acordo Transição Energética Justa é o mais recente de uma série de esquemas para monetizar soluções para as alterações climáticas. É um exemplo da influência de certos princípios económicos nas soluções para as alterações climáticas. E confirma que a doutrina neoliberal é mais importante do que a solidariedade internacional necessária para ajudar a salvar e proteger vidas vulneráveis dos impactos das alterações climáticas, incluindo secas, ondas de calor, e subida do nível do mar. O acordo revela que a mesma lógica lucrativa que contribuiu para os problemas das alterações climáticas está a ser utilizada para as suas soluções.
Mas quais são as motivações de um punhado de países
desenvolvidos para criar mais um esquema de investimento nas alterações
climáticas - e, em particular, um que seja apenas para a África do Sul?
Enquanto principal potência económica do continente
africano, a África do Sul queima mais carvão do que qualquer outra. Com mais de
70% da sua economia alimentada pelo carvão, é necessária uma transição para
fontes de energia renováveis - que são abundantes no continente - mesmo que o
governo sul-africano admita que a transição "não deve esterilizar o
desenvolvimento dos seus recursos carboníferos".
O acordo levanta questões sobre se é ou não uma solução
estratégica para as alterações climáticas ou uma oportunidade de investimento
para alguns. Poderá também ser uma forma de induzir as autoridades
sul-africanas a uma transição mais rápida para fontes de energia renováveis ou
capitaliza os riscos de investimento comparativamente mais baixos do país? Certamente
que se quer imaginar a África do Sul a seguir o exemplo da Alemanha na Europa
para a eliminação gradual do carvão já em 2035. Mas será que a África do Sul
está realmente a ser levada a comprometer-se a assumir essa liderança em
África?
A decisão de cerca de 45 países em Glasgow não parece ter
mudado a influência da lógica económica nas soluções para as alterações
climáticas. Embora o seu cálculo coletivo de "que a produção de energia a
carvão é a maior causa do aumento da temperatura global", incluído na
Declaração Global de Transição de Carvão para Energia Limpa, reflita o
progresso, não marcou um afastamento da ideia errada de que as sociedades podem
lucrar com a sua saída das alterações climáticas. Além disso, o momento escapou
aos políticos norte-americanos que se recusaram a assinar a chamada
"promessa de carvão" de "transição de uma geração de energia a
carvão não mitigada", embora os EUA estejam num grupo de cinco, incluindo
a União Europeia, agora prestes a injetar milhares de milhões na África do Sul,
que também não assinou a promessa.
Justificando a razão pela qual a África do Sul receberá
'8,5 mil milhões de dólares nos próximos três a cinco anos', a UE, Reino Unido,
EUA, Alemanha e França dizem que é para ajudar 'a descarbonizar o sistema
elétrico do país e gerir a dívida da Eskom, o seu fornecedor de eletricidade,
'impulsionar a criação de empregos verdes e de qualidade' e proteger
'trabalhadores e comunidades vulneráveis'. A maioria dos esquemas de distribuição
desse dinheiro - 'subvenções multilaterais e bilaterais, empréstimos
concessionais, garantias e investimentos privados, e apoio técnico' - sugerem
uma motivação de lucro, e não é claro se a África do Sul pode escolher entre
'subvenções' ou 'empréstimos'.
A maioria dessas opções não exemplifica a solidariedade
com a luta dos países em desenvolvimento contra os impactos das alterações
climáticas, afetando agora crianças subnutridas e milhões de pessoas que
enfrentam a fome, enquanto os pastores vêem o seu gado morrer e terras agrícolas
cada vez mais abandonadas no Corno de África - uma região sem precipitação
durante três estações de chuva consecutives.
As autoridades sul-africanas garantem que "o carvão
continuará a desempenhar um papel significativo na produção de eletricidade na
África do Sul num futuro previsível", após a recente abertura de duas
centrais, Medupi e Kusile. É então razoável afirmar que 8 mil milhões de
dólares não farão diferença na capacidade de produção instalada do país para a
qual o carvão contribui "com a maior parte da energia produzida".
Ao mesmo tempo, a África do Sul não é certamente o país
mais vulnerável em África aos impactos das alterações climáticas, em comparação
com a Serra Leoa, Libéria, ou Nigéria. Então, porque é que o país obteria o seu
próprio acordo de investimento? A resposta é que a África do Sul tem
comparativamente menores riscos políticos e económicos. Está em 84º lugar na
lista de países do Banco Mundial com regulamentos que "fomentam a
atividade empresarial", bem acima da Serra Leoa, com 163, Nigéria, 131 e
Libéria, 175.
Durante quase meio século, a África do Sul tomou recebeu
parte de leão dos investimentos diretos estrangeiros em comparação com aqueles.
Dados de 2019 mostram que esses investimentos na África do Sul representaram mais
do dobro dos realizados na Nigéria. Entre 2003 e 2013, os investimentos
estrangeiros da Alemanha, França, Reino Unido, e EUA na África do Sul foram
significativamente mais elevados em comparação com outros. E dados mais
recentes da OCDE de 2021 mostram a África do Sul como o único país africano com
atividade de investimento estrangeiro. Assim se conclui que o acordo Transição
Energática Justa segue um padrão de décadas de investimentos estrangeiros em
África.
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