Os apoiantes da controversa fonte de energia dizem que é
uma forma amiga do clima para produzir eletricidade. No mínimo, é algo que
poderíamos usar até sermos capazes de desenvolver alternativas melhores. Durante
a cimeira climática da COP26, os defensores do nuclear fizeram uma campanha com
declarações como "se somos contra a energia nuclear, somos contra a
protecção climática" e "a energia nuclear está prestes a
regressar".
Mas será a energia nuclear uma fonte de energia com emissões zero? Não. A energia nuclear é também responsável por emissões de gases com efeito de estufa. Na realidade, nenhuma fonte de energia está completamente livre de emissões. A extração, transporte e processamento de urânio produz emissões. O longo e complexo processo de construção de centrais nucleares também liberta CO2, tal como a demolição de centrais desativadas. E os resíduos nucleares também têm de ser transportados e armazenados sob condições rigorosas - também aqui as emissões têm de ser tidas em conta.
E no entanto, os grupos de interesse afirmam que a energia nuclear é isenta de emissões. Entre eles está a empresa de consultoria austríaca ENCO. Em finais de 2020, divulgou um estudo preparado para o Ministério Holandês dos Assuntos Económicos e da Política Climática que analisava favoravelmente o possível papel futuro do nuclear nos Países Baixos. "Os principais fatores para a sua escolha foram a fiabilidade e a segurança do aprovisionamento, sem emissão de CO2", lê-se no estudo. A ENCO foi fundada por peritos da Agência Internacional de Energia Atómica, e trabalha regularmente com as partes interessadas no setor nuclear, pelo que não está totalmente livre de interesses particulares.
Na COP26, a iniciativa ambiental Scientists for Future apresentou um documento sobre a energia nuclear e o clima. O grupo chegou a uma conclusão muito diferente. "Tendo em conta o atual sistema energético global, a energia nuclear não é de modo algum neutra em termos de CO2", disseram eles. Ben Wealer, da Universidade Técnica de Berlim, um dos autores do relatório, disse que os proponentes da energia nuclear "não têm em conta muitos fatores", incluindo as fontes de emissões acima referidas.
Qual a quantidade de CO2 produzida pela energia nuclear? Os resultados variam muito, dependendo se consideramos apenas o processo de produção de eletricidade, ou se levamos em conta todo o ciclo de vida de uma central nuclear. Um relatório publicado em 2014 pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) da ONU, por exemplo, estimou um intervalo de 3,7 a 110 gramas de equivalente de CO2 por quilowatt-hora (kWh). Há muito que se assume que as centrais nucleares geram uma média de 66 gramas de CO2/kWh - embora Wealer acredite que o valor real é muito mais elevado. As novas centrais nucleares, por exemplo, geram mais CO2 durante a construção do que as construídas nas décadas anteriores, devido a regulamentos de segurança mais rigorosos. Estudos que incluem todo o ciclo de vida das centrais nucleares, desde a extração de urânio até ao armazenamento de resíduos nucleares, são raros, com alguns investigadores a salientarem que ainda faltam dados. Num estudo de ciclo de vida, o World Information Service on Energy (WISE), com sede nos Países Baixos, calculou que as centrais nucleares produzem 117 gramas de emissões de CO2 por quilowatt-hora. Deve notar-se, contudo, que o WISE é um grupo anti-nuclear, pelo que não é totalmente imparcial. Outros estudos obtiveram resultados semelhantes ao considerar ciclos de vida inteiros. Mark Z. Jacobson, director do Programa Atmosfera / Energia da Universidade de Stanford na Califórnia, calculou um custo climático de 68 a 180 gramas de CO2/kWh, dependendo da mistura de eletricidade utilizada na produção de urânio e outras variáveis.
Quão amigo do clima é o nuclear em comparação com outras energias? Se todo o ciclo de vida de uma central nuclear for incluído no cálculo, a energia nuclear sai certamente à frente dos combustíveis fósseis como o carvão ou o gás natural. Mas o quadro é drasticamente diferente quando comparado com as energias renováveis. De acordo com dados da Agência Ambiental Alemã (UBA) ainda não publicados, bem como com os números da WISE, a energia nuclear liberta 3,5 vezes mais CO2 por quilowatt-hora do que os sistemas de painéis solares fotovoltaicos. Em comparação com a energia eólica terrestre, esse valor salta para 13 vezes mais CO2. Quando comparada com a electricidade proveniente de instalações hidroeléctricas, a energia nuclear gera 29 vezes mais carbono.
Poderíamos contar com a energia nuclear para ajudar a travar o aquecimento global? Em todo o mundo, os representantes da energia nuclear, bem como alguns políticos, apelaram à expansão da energia atómica. Na Alemanha, por exemplo, o partido populista de direita AfD apoiou as centrais nucleares, considerando-as "modernas e limpas". A AfD apelou a um regresso à fonte de energia, que a Alemanha se comprometeu a eliminar completamente até ao final de 2022. Outros países também apoiaram planos de construção de novas centrais nucleares, argumentando que o setor energético será ainda mais prejudicial para o clima sem ele. Mas Wealer, da Universidade Técnica de Berlim, juntamente com numerosos outros especialistas em energia, tem uma visão diferente. "A contribuição da energia nuclear é vista com demasiado optimismo", disse ele. "Na realidade, os tempos de construção das centrais eléctricas são demasiado longos e os custos demasiado elevados para ter um efeito perceptível nas alterações climáticas. Demora demasiado tempo para que a energia nuclear esteja disponível". Mycle Schneider, autor do World Nuclear Industry Status Report, concorda. "As centrais nucleares são cerca de quatro vezes mais caras do que aa energia eólica ou a energia solar, e demoram cinco vezes mais tempo a construir", disse. "Quando se tem em conta tudo isto, está-se a olhar para 15 a 20 anos de tempo de espera para uma nova central nuclear". Salientou que o mundo precisava de ter os gases com efeito de estufa sob controlo dentro de uma década. "E nos próximos 10 anos, a energia nuclear não poderá dar uma contribuição significativa", acrescentou Schneider. "A energia nuclear não está a ser considerada no momento atual como uma das principais soluções globais para as alterações climáticas", disse Antony Froggatt, director-adjunto do programa ambiental e social do laboratório de ideias Chatham House, em Londres. Ele considera que uma combinação de custos excessivos, consequências ambientais e falta de apoio público eram todos argumentos contra a energia nuclear.
O financiamento nuclear poderia ir para as energias renováveis. Devido aos elevados custos associados à energia nuclear, também bloqueia importantes recursos financeiros que poderiam ser utilizados para desenvolver energia renovável, disse Jan Haverkamp, um especialista e ativista nuclear da Greenpeace nos Países Baixos. Essas energias renováveis forneceriam mais energia que é mais rápida e mais barata do que a nuclear, afirmou. "Cada dólar investido em energia nuclear é, portanto, um dólar desviado de uma verdadeira ação climática urgente. Nesse sentido, a energia nuclear não é amiga do clima", disse ele.
Além disso, a própria energia nuclear tem sido afetada
pelas alterações climáticas. Durante os verões cada vez mais quentes, várias
centrais nucleares já tiveram de ser temporariamente encerradas ou retiradas da
rede. As centrais elétricas dependem de fontes de água próximas para arrefecer
os seus reatores, e com muitos rios a secar, essas fontes de água já não estão
garantidas.
Joscha Weber, DW.
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