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segunda-feira, 10 de maio de 2021
Bico calado
«O ZMAR não passa de um parque de campismo / caravanismo.
E só para isso foi licenciado. 1. O empreendimento está em terreno que corresponde às
Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional (ou seja, em princípio,
não se pode ali construir). 2. Foi apresentado um projeto para parque de campismo,
discutido e aprovado em 2008, disponível para consulta no site
“siaia.apambiente.pt”. 3. Previa-se licenciamento para parque de campismo, a ser
utilizado para caravanas / autocaravanas / autotendas / tendas. Previa-se,
entre outras coisas, o “reforço da vegetação, com recurso preferencial a
espécies autóctones, resistentes ao fogo e não utilizando espécies exóticas de
características invasoras”. Não se previa, seguramente, a construção de casas
em madeira amovíveis, que ali estão com carácter permanente. 4. No registo do Turismo de Portugal consta que foi
licenciado em 2009; poderia ter até 1572 campistas (Licença n.º 247 RNET). Esta
licença caducou em 03.12.2019, o ZMAR não a renovou até hoje, pelo que,
presentemente, não tem licença de funcionamento. 5. A proprietária, sociedade que explora o lugar chama-se
“Multiparques A Céu Aberto – Campismo e Caravanismo em Parques, S.A., sendo seu
administrador Francisco Manuel Espírito Santo Melo Breyner. 6. A sociedade foi declarada insolvente em 10 de Março de
2021 (pode consultar-se o anúncio da insolvência no Citius). 7. Não é um terreno passível de fraccionamento ou
loteamento para construir habitações, o que quer dizer que as parcelas onde
estão implantadas as barracas de madeira (não são habitações, nem coisa que se
pareça) não pertencem a nenhum dos alegados “proprietários”. 8. Se a sociedade, declarada insolvente, não conseguir
aprovar um plano de insolvência, tudo aquilo será objeto de liquidação na
insolvência, incluindo todo o terreno onde estão implantadas as casas de
madeira. 9. Este empreendimento foi aprovado como Projeto de
Interesse Nacional (os célebres PINs), em plena REN e RAN e, por isso, só pode
ser utilizado para aquele fim e mais nenhum outro. 10. A montagem de casas pré-fabricadas ou modulares em
locais onde não é possível construir, por força das regras urbanísticas
(designadamente em áreas REN e RAN), é uma forma muito hábil de contornar a
proibição legal de construir. O que quer dizer que os “proprietários”, afinal, não são
titulares de imóvel algum (muito menos de “habitações”): são apenas,
porventura, donos de umas amovíveis barracas de madeira do tal eco-resort, que
podem ser desmontadas e removidas, pois não é suposto estarem ali (a avaliar
pela licença que foi concedida que, de qualquer forma, está caducada).» Manuel Rosa.
Exploração de imigrantes na Suécia, na apanha de
«berries». MSN.
Um relatório recente do Gabinete do Inspector-Geral da
USAID admite que a política da agência sobre a Venezuela foi impulsionada pelo
Departamento de Estado e pelo Conselho Nacional de Segurança para a mudança de
regime. O relatório investigou a tentativa da USAID de utilizar os militares
norte-americanos para forçar a ajuda através da fronteira da Venezuela com a
Colômbia, a 23 de fevereiro de 2019. Uma das conclusões mais interessantes da
auditoria é que a USAID não conseguiu pôr em prática controlos de fraude
adequados a fim de apaziguar os funcionários norte-americanos que pretendiam
derrubar o governo eleito da Venezuela. Anya Parampil, The Grayzone.
Os Países Baixos investigaram a fraude da Mayday Rescue
Foundation, que financiou os capacetes brancos sírios com mais de 120 milhões
de dólares em contratos governamentais. Mas altos funcionários holandeses
encobriram a corrupção. Ben Norton, The Grayzone.
O Le Monde investigou o financiamento da Total À junta
birmanesa. A petrolífera não gostou e suspendeu uma campanha de publicidade no
valor de 50 mil euros, prevista para o mês de junho nas páginas do jornal. Adrien
Franque, Libération.
ONU avisa Israel que expulsões forçadas em Jerusalém
Oriental serão “crime de guerra”. Sofia Lorena, Público 8mai2021.
«(…) Os “proprietários” do Zmar conseguiram esta desmesurada atenção porque, neste país classista, quem tem acesso à elite tem direito à atenção. Foi assim sempre que as escolas reabriram e o debate se centrou imediatamente nos colégios, volta a ser assim agora. Conhecimentos nas redações e contacto direto com o bastonário da Ordem dos Advogados (que por sua vez lhes deu acesso ao Presidente da República) fizeram que um drama irrelevante vivido por umas poucas dezenas de donos das cabanas de verão se transformasse num drama acompanhado pelo país inteiro que, parece-me, tem coisas bem mais importantes com que se preocupar. (…) Quando a polícia entra em bairros pobres, muitas vezes usando a força, está a impor a lei; quando impõe a lei num “resort”, não usando a força, é ditadura. (…) Mas já que conseguiram tanta atenção, que se dedique a atenção toda a um empreendimento que é um símbolo do chico-espertismo nacional. Os autointitulados “proprietários” não são proprietários. São das suas casas, como são os donos de roulottes que estão num parque de campismo. Porque é isso mesmo que aquele espaço é: um parque de campismo. Foi para isso que foi licenciado. Naquele terreno não é permitida nem construção, nem loteamento. As pessoas que vimos na televisão não são donas de um centímetro que seja daquele terreno (que lhes é apenas cedido). E, no entanto, sentiram-se no direito de tentar barrar a entrada. E invocar o direito de propriedade (na providência cautelar não o fizeram, claro) que não é para aqui chamado. A sua propriedade é das casas, que neste caso são um bem móvel, e ninguém entrou nelas. (…) Aquele parque de campismo, construído em plena Rede Natura 2000 e cheio de peripécias onde se cruza quase tudo o que está errado neste país, não deveria existir com aquela dimensão e natureza. E os donos das cabanas sabem-no. A esperteza é conhecida, mas aqui teve dimensões maiores do que o habitual (talvez pelas pessoas envolvidas no negócio): consegue-se um licenciamento para parque de campismo e depois aquilo vai mudando de natureza com o silêncio cúmplice de todos. Mas há coisa que dificilmente acontecerá: aqueles que vieram a público gritar pelo seu direito à propriedade serem proprietários daquela terra. Fomos enganados, porque a única coisa que podiam dizer era demasiado desagradável: que não queriam ter migrantes saudáveis como vizinhos numa terra que não é sua. E isto mobilizou três partidos políticos e as aberturas de todos os telejornais.(…)» Daniel Oliveira, Um país mediaticamente sequestrado pelos pequenos dramas de umas dezenas de proprietários que afinal nem o são – Expresso 11mai2021.
1 comentário:
A propósito do mediatismo do Zmar:
«(…) Os “proprietários” do Zmar conseguiram esta desmesurada atenção porque, neste país classista, quem tem acesso à elite tem direito à atenção. Foi assim sempre que as escolas reabriram e o debate se centrou imediatamente nos colégios, volta a ser assim agora. Conhecimentos nas redações e contacto direto com o bastonário da Ordem dos Advogados (que por sua vez lhes deu acesso ao Presidente da República) fizeram que um drama irrelevante vivido por umas poucas dezenas de donos das cabanas de verão se transformasse num drama acompanhado pelo país inteiro que, parece-me, tem coisas bem mais importantes com que se preocupar. (…) Quando a polícia entra em bairros pobres, muitas vezes usando a força, está a impor a lei; quando impõe a lei num “resort”, não usando a força, é ditadura. (…) Mas já que conseguiram tanta atenção, que se dedique a atenção toda a um empreendimento que é um símbolo do chico-espertismo nacional. Os autointitulados “proprietários” não são proprietários. São das suas casas, como são os donos de roulottes que estão num parque de campismo. Porque é isso mesmo que aquele espaço é: um parque de campismo. Foi para isso que foi licenciado. Naquele terreno não é permitida nem construção, nem loteamento. As pessoas que vimos na televisão não são donas de um centímetro que seja daquele terreno (que lhes é apenas cedido). E, no entanto, sentiram-se no direito de tentar barrar a entrada. E invocar o direito de propriedade (na providência cautelar não o fizeram, claro) que não é para aqui chamado. A sua propriedade é das casas, que neste caso são um bem móvel, e ninguém entrou nelas. (…) Aquele parque de campismo, construído em plena Rede Natura 2000 e cheio de peripécias onde se cruza quase tudo o que está errado neste país, não deveria existir com aquela dimensão e natureza. E os donos das cabanas sabem-no. A esperteza é conhecida, mas aqui teve dimensões maiores do que o habitual (talvez pelas pessoas envolvidas no negócio): consegue-se um licenciamento para parque de campismo e depois aquilo vai mudando de natureza com o silêncio cúmplice de todos. Mas há coisa que dificilmente acontecerá: aqueles que vieram a público gritar pelo seu direito à propriedade serem proprietários daquela terra. Fomos enganados, porque a única coisa que podiam dizer era demasiado desagradável: que não queriam ter migrantes saudáveis como vizinhos numa terra que não é sua. E isto mobilizou três partidos políticos e as aberturas de todos os telejornais.(…)» Daniel Oliveira, Um país mediaticamente sequestrado pelos pequenos dramas de umas dezenas de proprietários que afinal nem o são – Expresso 11mai2021.
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