segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Reflexão - Será útil mudar o artigo 1º da Constituição francesa em favor do meio ambiente?

Depois do crime de ecocídio, a inclusão da proteção ambiental no artigo 1º da Constituição anima o círculo dos advogados ambientais. O projeto de lei desta alteração foi apresentado ao Conselho Nacional de Transição Ecológica, devendo ser submetida a referendo em dezembro.

A ideia não é nova. Em 2015, Cécile Duflot, na altura candidata às "primárias da ecologia", defendia a inclusão  do “imperativo do clima" na Constituição. Em 2018, a ideia voltou a ser ventilada por Nicolas Hulot, então ministro da Transição Ecológica. E, em junho de 2020, 150 membros da Convenção Cidadã do Clima propuseram a medida ao presidente. O texto proposto diz apenas isto: “A República garante a preservação da biodiversidade e do meio ambiente e combate as alterações climáticas”.

Os juristas estão divididos. Muitos advogados ambientais acreditam que alterar o 1º artigo seria desnecessário, pois entraria em conflito com a Carta Ambiental. Esta, adotada após muito debate em 2005, é composta por dez artigos, o segundo dos quais afirma que “todos têm o dever de participar na preservação e melhoria do meio ambiente”.

A Carta não faz parte do texto da própria Constituição, mas faz parte do “bloco de constitucionalidade”, o que significa que tem a mesma força jurídica que qualquer artigo da Constituição. Alguns juristas consideram que o texto da carta ambiental estabelece os mesmos princípios do projeto de lei, e que seria até preferível a este.

O artigo 2º da Carta fala da obrigação de “melhorar o ambiente”, princípio que não consta do projecto de lei constitucional. Em 2018, um projeto de lei apresentado pelo deputado Matthieu Orphelin, no entanto, consagrou esse princípio, mas foi abandonado. “É muito importante manter essa palavra 'melhoria', pois evitaria retrocessos como a reintrodução temporária dos neonicotinóides”, disse Arnaud Gossement, advogado especialista em direito ambiental.

Muitos observadores consideram que esta emenda constitucional provavelmente nunca verá a luz do dia. Para ser implementada, teria de ser aprovada pela Assembleia Nacional e pelo Senado, e depois aprovada pelos franceses em referendo.

“É uma manobra política”, observa Me Gossement. “A Assembleia Nacional vai arrastar os pés como em 2018. Os senadores não vão dizer não à revisão, mas vão torná-la impossível. Eles vão acrescentar outras emendas para mudar a Constituição, pontos que Emmanuel Macron não vai querer fazer. Todos vão passar a bola, com as eleições departamentais, regionais e presidenciais à porta. “Há o risco de obscurecer o assunto, já que todas as pessoas que não querem Emmanuel Macron votarão não no referendo, independentemente da pergunta feita”, disse Me Lepage.

“É um dos golpes políticos mais brilhantes que vi na minha vida”, disse o cientista político Bastien François. “Se o projeto for contestado no Senado, Emmanuel Macron dirá que os senadores são conservadores. A esquerda e os ambientalistas ficarão divididos sobre a questão, entre quem não lhe quer dar um presente e quem acha que a questão ambiental é mais importante. Se o referendo passar, ele vai dizer: ‘Olhem, eu mudei a Constituição!’ Não custa nada tentar, é uma armadilha extremamente inteligente."

Advogados e associações, não têm ilusões. Quer sejam a favor ou não da revisão do artigo 1º da Constituição, todos concordam num ponto: a necessidade de incorporar o princípio da não regressão no texto fundamental. Isso consta da lei francesa desde 2016. Ela indica que "a proteção do meio ambiente (...) só pode ser objeto de melhorias constantes". Em novembro de 2020, os parlamentares pediram a dedução do artigo 2º da Carta Ambiental (obrigação de “melhorar o meio ambiente”) esse princípio de não regressão, e, portanto, torná-lo um valor constitucional. O Conselho Constitucional não aproveitou a oportunidade e validou a reintrodução temporária dos neonicotinóides em França.

As associações denunciam um descompasso permanente do direito ambiental (nomeadamente através da lei Asap, a pretexto da “simplificação” da ação pública) e a falta de recursos para a polícia e a justiça ambiental. “Mesmo que fosse feita esta emenda constitucional, não é isso que impediria todos os ataques ao meio ambiente que são autorizados em França, em particular grandes projetos poluentes, por intermédio dos presidentes de Câmara e, portanto, do Estado”, sugere Anne Roques, advogada da France Nature Environnement.

“A verdadeira boa notícia é a criação de tribunais ambientais especializados, graças ao projeto de lei do Ministério Público Europeu e da justiça criminal especializada”, diz Julien Bétaille. Isso não garante necessariamente que essas jurisdições venham a ter recursos específicos, mas é um passo em frente. Do ponto de vista prático, esta lei é muito mais importante do que a reforma constitucional."

Justine Guitton-Boussion, Reporterre

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