Depois do crime de ecocídio, a inclusão da proteção ambiental no artigo 1º da Constituição anima o círculo dos advogados ambientais. O projeto de lei desta alteração foi apresentado ao Conselho Nacional de Transição Ecológica, devendo ser submetida a referendo em dezembro.
A ideia não é nova. Em 2015, Cécile Duflot, na altura
candidata às "primárias da ecologia", defendia a inclusão do “imperativo do clima" na
Constituição. Em 2018, a ideia voltou a ser ventilada por Nicolas Hulot, então
ministro da Transição Ecológica. E, em junho de 2020, 150 membros da Convenção
Cidadã do Clima propuseram a medida ao presidente. O texto proposto diz apenas
isto: “A República garante a preservação da biodiversidade e do meio ambiente e
combate as alterações climáticas”.
Os juristas estão divididos. Muitos advogados ambientais
acreditam que alterar o 1º artigo seria desnecessário, pois entraria em
conflito com a Carta Ambiental. Esta, adotada após muito debate em 2005, é composta
por dez artigos, o segundo dos quais afirma que “todos têm o dever de
participar na preservação e melhoria do meio ambiente”.
A Carta não faz parte do texto da própria Constituição,
mas faz parte do “bloco de constitucionalidade”, o que significa que tem a
mesma força jurídica que qualquer artigo da Constituição. Alguns juristas
consideram que o texto da carta ambiental estabelece os mesmos princípios do
projeto de lei, e que seria até preferível a este.
O artigo 2º da Carta fala da obrigação de “melhorar o
ambiente”, princípio que não consta do projecto de lei constitucional. Em 2018,
um projeto de lei apresentado pelo deputado Matthieu Orphelin, no entanto,
consagrou esse princípio, mas foi abandonado. “É muito importante manter essa
palavra 'melhoria', pois evitaria retrocessos como a reintrodução temporária
dos neonicotinóides”, disse Arnaud Gossement, advogado especialista em direito
ambiental.
Muitos observadores consideram que esta emenda
constitucional provavelmente nunca verá a luz do dia. Para ser implementada,
teria de ser aprovada pela Assembleia Nacional e pelo Senado, e depois aprovada
pelos franceses em referendo.
“É uma manobra política”, observa Me Gossement. “A
Assembleia Nacional vai arrastar os pés como em 2018. Os senadores não vão
dizer não à revisão, mas vão torná-la impossível. Eles vão acrescentar outras
emendas para mudar a Constituição, pontos que Emmanuel Macron não vai querer
fazer. Todos vão passar a bola, com as eleições departamentais, regionais e
presidenciais à porta. “Há o risco de obscurecer o assunto, já que todas as
pessoas que não querem Emmanuel Macron votarão não no referendo,
independentemente da pergunta feita”, disse Me Lepage.
“É um dos golpes políticos mais brilhantes que vi na
minha vida”, disse o cientista político Bastien François. “Se o projeto for
contestado no Senado, Emmanuel Macron dirá que os senadores são conservadores.
A esquerda e os ambientalistas ficarão divididos sobre a questão, entre quem
não lhe quer dar um presente e quem acha que a questão ambiental é mais
importante. Se o referendo passar, ele vai dizer: ‘Olhem, eu mudei a
Constituição!’ Não custa nada tentar, é uma armadilha extremamente
inteligente."
Advogados e associações, não têm ilusões. Quer sejam a
favor ou não da revisão do artigo 1º da Constituição, todos concordam num
ponto: a necessidade de incorporar o princípio da não regressão no texto
fundamental. Isso consta da lei francesa desde 2016. Ela indica que "a
proteção do meio ambiente (...) só pode ser objeto de melhorias
constantes". Em novembro de 2020, os parlamentares pediram a dedução do
artigo 2º da Carta Ambiental (obrigação de “melhorar o meio ambiente”) esse
princípio de não regressão, e, portanto, torná-lo um valor constitucional. O
Conselho Constitucional não aproveitou a oportunidade e validou a reintrodução
temporária dos neonicotinóides em França.
As associações denunciam um descompasso permanente do
direito ambiental (nomeadamente através da lei Asap, a pretexto da
“simplificação” da ação pública) e a falta de recursos para a polícia e a
justiça ambiental. “Mesmo que fosse feita esta emenda constitucional, não é
isso que impediria todos os ataques ao meio ambiente que são autorizados em
França, em particular grandes projetos poluentes, por intermédio dos
presidentes de Câmara e, portanto, do Estado”, sugere Anne Roques, advogada da
France Nature Environnement.
“A verdadeira boa notícia é a criação de tribunais
ambientais especializados, graças ao projeto de lei do Ministério Público
Europeu e da justiça criminal especializada”, diz Julien Bétaille. Isso não
garante necessariamente que essas jurisdições venham a ter recursos específicos,
mas é um passo em frente. Do ponto de vista prático, esta lei é muito mais
importante do que a reforma constitucional."
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