O tão badalado documentário da Netflix O Dilemma Social só nos conta metade da estória, alerta Jonathan Cook.
As grandes plataformas de redes sociais, tal como os
media tradicionais, não nos despertam para o facto de que estão inseridas num mundo
corporativo que tem saqueado o planeta em busca de lucro.
Muita da nossa polarização e conflito social atual não é,
como o O Dilema Social sugere, entre os influenciados pelas "notícias
falsas" das redes sociais e os influenciados pelas "notícias
reais" dos media corporativos. É entre, por um lado, os que
conseguiram encontrar um oásis de pensamento crítico e transparência nos novos
media e, por outro, os que continuam presos no modelo dos velhos media ou
aqueles que, incapazes de pensar criticamente após uma vida a consumir media
corporativa, foram fácil e lucrativamente sugados para conspirações niilistas em linha.
O terceiro capítulo do documentário chega ao cerne do
problema mas não o identifica nem explora. Tudo porque O Dilema Social não pode
extrair adequadamente das suas já erróeas premissas a conclusão necessária
para acusar um sistema no qual a Netflix, que financiou e transmite o
documentário, está profundamente enraizada. O documentário mantém um
ensurdecedor silêncio sobre o que precisa de mudar.
O primeiro capítulo do filme dá a entender que o facto de as redes sociais terem sido feitas para impingir publicidade é algo totalmente novo. O segundo capítulo também considera novidades a nossa crescente perda de empatia e o rápido aumento de um narcisismo individualista. Nada disso é verdadeiro. Há pelo menos um século que os anunciantes brincam com os nossos cérebros de maneiras sofisticadas. E a atomização social - individualismo, egoísmo e consumismo - tem sido uma característica da vida ocidental há pelo menos esse tempo.
As múltiplas formas como estamos a prejudicar o planeta -
destruindo florestas e habitats naturais, levando espécies à extinção, poluindo
o ar e a água, derretendo as calotes polares, gerando uma crise climática - têm
sido cada vez mais evidentes desde que as nossas sociedades transformaram tudo
numa mercadoria que poderia ser comprada e vendida no mercado.
Há, de facto, uma conspiração ideológica, de pelo menos
dois séculos, por parte de uma pequena elite cada vez mais rica que tudo tem
feito para enriquecer ainda mais e manter o seu poder.
Há uma razão para, como aponta a professora de negócios
de Harvard Shoshana Zuboff, as gigantes das redes sociais serem as mais ricas
da história humana. E é também por essa razão que estamos a atingir o
"horizonte de eventos" humano que esses inteligentes do Silicon
Valley temem, um onde as nossas sociedades, as nossas economias, os sistemas de
suporte de vida do planeta estão todos à beira do colapso.
O documentário não identifica a causa dessa crise
sistémica de amplo espectro. Mas ela tem um nome. O seu nome é a ideologia que
se tornou uma caixa preta, uma prisão mental, na qual nos tornamos incapazes de
imaginar outra forma de organizar as nossas vidas, qualquer outro futuro que
não aquele a que estamos destinados no momento. O nome dessa ideologia é
capitalismo.
As redes sociais e a inteligência artificial por trás
delas são uma das múltiplas crises que não podemos ignorar, à medida que o
capitalismo chega ao fim de uma trajetória em que está há muito tempo. As
sementes da natureza destruidora atual e óbvia do neoliberalismo foram lançadas
há muito tempo, quando o Ocidente “civilizado” e industrializado decidiu que a
sua missão era conquistar e subjugar o mundo natural, quando abraçou uma
ideologia que idolatrava o dinheiro e transformava as pessoas em objetos para
serem explorados.
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