sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Azambuja: massacre na Herdade da Torre Bela é caso de Polícia

O massacre na Herdade da Torre Bela é um caso de polícia que não se sanciona e muito menos se resolve com a anunciada suspensão ou retirada da licença de caça à empresa concessionária, defende Garcia Pereira«Beneficiando da prévia destruição do habitat que os defendia, encurralar centenas e centenas de animais numa área murada, logo, intransponível, e chaciná-los em massa constitui, inequivocamente, um crime previsto e punido no Código Penal com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 300 dias (muito mais pesada do que a quase simbólica sanção da Lei de Bases da Caça), a que acresce também o crime do abate massivo das árvores, igualmente punido pela lei penal», acrescenta.

Garcia Pereira acusa ainda os responsáveis políticos locais e governamentais de hipocrisia e opacidade., «que, sempre com grandes e ocas palavras sobre a “preservação do meio ambiente”, a “preservação da natureza” e a “gestão sustentada dos recursos”, para viabilizarem os projectos dos grandes interesses económico-financeiros e na ânsia de assim poderem receber algumas migalhas dos lucros com aqueles alcançados, não hesitam em viabilizar tais projectos, em declará-los de “interesse público” e em destruir, ou em permitir destruir, inclusive das formas mais violentas e repugnantes, esse mesmo ambiente e esses recursos naturais.» Apesar de o ministro do Ambiente, do presidente da Câmara de Azambuja e dos representantes das empresas envolvidas no negócio da central fotovoltaica terem manifestado a sua consternação pelo massacre, soube-se que após várias reuniões entre o governo e a Câmara Municipal da Azambuja, esta, na sua sessão de 22set2020, aprovou – com base na Proposta nº 78/P/2020, e com 4 votos favoráveis (todos do PS) e 3 contra (da CDU e do PSD) – a declaração de interesse público municipal relativamente ao pedido apresentado pelas duas empresas promotoras da central fotovoltaica, mostrando assim e muito claramente o seu empenho na concretização de tal projecto. 

Garcia Pereira continua: «Depois, em finais de Setembro e inícios de Outubro, foi realizada na Herdade da Torre Bela uma gigantesca operação de abate e de arranque de árvores, sobretudo sobreiros (que são uma espécie protegida), numa área de 750 hectares, para assim “limpar” o espaço necessário para a instalação de cerca de 640.000 painéis fotovoltaicos, destruindo ao mesmo tempo a esmagadora parte do habitat (e do refúgio) dos animais de grande porte ali existentes, ficando apenas uma estreita área de eucaliptos junto à EN 366. Assim se destruiu também o habitat natural de toda uma série de outras espécies, tais como répteis, ouriços, corujas e saca-rabos, para além de uma águia real ibérica (em vias de extinção), que, entretanto, desapareceu por completo daquela zona.»

Em artigo publicado no Notícias Online, Garcia Pereira contextualiza o massacre: «A Torre Bela é uma Herdade com cerca de 1.700 hectares de área, com uma tapada (onde ocorreu esta matança), e é formalmente propriedade de uma empresa chamada Sociedade Agrícola da Quinta da Visitação (SAG, Lda), cujo objecto social é… a agricultura e a produção animal combinada, e à qual, já desde 2003, foi atribuída a concessão de outras Zonas de Caça Turística, a saber, as da Quinta de Santareno (na freguesia de Almoster) e da Quinta da Lapa (na freguesia de Manique do Intendente), numa área total superior a 305 hectares. Ora, é também a esta mesma Sociedade que está concessionada a Zona de Caça Turística onde se verificou o abate selvático, e é para esta mesma herdade (sobre cuja propriedade real recaem suspeitas de que – tal como, aliás, já referiu o próprio hacker Rui Pinto – ela pertença, na realidade, a … Isabel dos Santos) que está projectada uma gigantesca central fotovoltaica com a enorme área de 775 hectares, a ser explorada pelas empresas Aura Power Rio Maior S.A. e Neoen (através da CSRTB, Unipessoal, Lda), tudo isto representando um investimento há muito (pelo menos, desde 2009) querido pelos donos da quinta e no valor de qualquer coisa como 170 milhões de euros. (…)

No Resumo não técnico do “Estudo de Impacte Ambiental das Centrais Fotovoltaicas de Rio Maior e de Torre Bela, e LMAT de Ligação”, pode mesmo ler-se o seguinte e muito (e agora ainda mais) significativo trecho: A área onde se pretende instalar as Centrais Fotovoltaicas está integrada dentro do recinto murado da Quinta da Torre Bela, que corresponde a uma Tapada, a qual está integrada na Reserva de Caça Turística da Torre Bela. Esta reserva de caça possui espécies cinegéticas de grande porte, nomeadamente veados, gamos e javalis. A proprietária desta quinta, na expetativa da implantação deste Projeto das Centrais Fotovoltaicas tem desenvolvido ações para diminuir o efetivo dos animais. Alguns têm sido caçados, e outros têm sido transferidos para a zona murada que se localiza a nascente, onde não está previsto instalar qualquer elemento do Projeto. Prevê-se que previamente ao início das obras já estejam retirados da área afeta ao Projeto todos os animais de grande porte. (…)»

Atualização: O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, suspendeu o processo de avaliação de impacto ambiental que estava em curso para instalar uma central fotovoltaica na Herdade da Torre Bela. Técnicos do ICNF apuraram fortes indícios da prática do crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, razão pela qual decidiu apresentar uma participação ao Ministério Público.

«Azambuja. Há 45 anos, trabalhadores agrícolas ocuparam a herdade da Torre Bela, propriedade do duque de Lafões, num episódio marcante da história da Reforma Agrária. Nessa altura as terras da herdade iam dar pão e trabalho, hoje parece que servem de parque recreativo para manifestações de brutalidade e boçalidade, de montarias sem outro objectivo que matar por prazer. Recuámos meio século.» Pedro Abreu, Público 24dez2020.

Ecos internacionais do fuzilamento:

BBC

Macau Business

Teller Report.

AA.

1 comentário:

OLima disse...

A família proprietária da Torre Bela apresentou uma queixa-crime ao Ministério Público contra a firma espanhola e também contra desconhecidos por terem ultrapassado os limites acordados por contrato com a entidade exploradora da caçada. A caça na herdade tinha sido concessionada a uma empresa portuguesa, que por seu turno organizou esta montaria com uma firma espanhola, a Monteros de La Cabra. Há cerca de 5 anos esta mesma empresa tinha efectuado uma razia do mesmo género na Herdade da Contenda, no concelho de Moura. O presidente da empresa municipal que gere a propriedade e o presidente da Associação Nacional de Caça Maior garantiram que os caçadores ali levados pela firma quase dizimaram as espécies de caça existentes, tendo acabaod por afastá-la em 2015. Ana Henriques, Público 29dez2020.