quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Reflexão - «Estratégia para o hidrogénio: alinhá-la com os interesses do país»

«(…) Através do que foi tornado público, sabe-se que mais de 2/3 do volume das manifestações de interesse se referem a opções que priorizam o mercado externo, nomeadamente, o consórcio EDP-Galp-REN para Sines, o Green Flamingo, ou mesmo os projetos da Bondalti e da Fusion Fuel. 

Deixar o mercado manifestar à vontade as suas preferências, num quadro que atribui ao Estado o papel de promotor da iniciativa privada, de financiador de último recurso e de reparador de “falhas de mercado”, facilitou aos diversos projetos uma priorização ao lucro sustentada por uma desproporcionada valorização do acesso à cadeia de valor global do hidrogénio. Isto é penalizador da sustentabilidade ambiental. Em nosso entender, esta atuação descura o planeamento e hierarquização das prioridades da agenda nacional, com potenciais custos sociais e económicos. 

Seria (e ainda poderá ser) importante valorizar a produção própria de energia, nomeadamente por parte das instituições públicas, como os hospitais e as escolas, levando-os a aderirem à iniciativa enquanto produtores e consumidores de energia solar e de hidrogénio. Será um erro seguir políticas que se limitem a replicar a abordagem da Comissão Europeia sem considerar devidamente uma estratégia de planeamento de política industrial, as necessidades socioeconómicas e a especificidade contextual portuguesa. É preciso ter em conta as próprias tendências de  reterritorialização e aproximação dos circuitos de produção e consumo. (…) 

Deve ficar vedada a possibilidade de recurso a engenharia financeira especulativa, à utilização de paraísos fiscais, à disseminação de trabalho precário e indignamente remunerado, a fossos salariais desmesurados, ou a desigualdade salarial entre géneros. Além de tudo isto, é indispensável assegurar, desde já, a participação dos trabalhadores e suas organizações, em particular os sindicatos, na discussão de opções, na delineação da estratégia e na sua implementação.» 

Eugénia Pires e Manuel Carvalho da Silva, Estratégia para o hidrogénio: alinhá-la com os interesses do país – Público.

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