segunda-feira, 15 de junho de 2020

Bico calado

  • A sustentabilidade da Tesla é uma treta, escreve Dharna Noor na Earthger: «O seu relatório de impacto de 2019 sublinha a sua sustentabilidade, alegando que as baterias dos seus carros se degradam 15% menos rapidamente do que outras, que reduz, em relação a 2018, em 45% o uso de água na produção, que produz mais que o dobro de veículos elétricos do que qualquer outra fabricante e que instalou mais de 3,7 gigawatts de capacidade solar até o momento. O problema é que, devido às práticas de trabalho e modelo de negócios da empresa, a Tesla não é sustentável. Enquanto o valor de Elon Musk se culcule em 42,3 mil milhões de dólares, os trabalhadores sofrem. Vários casos de covid-19 foram registados na fábrica de Fremont. Musk considerou os confinamentos de "fascistas" e processou o Alameda County, na Califórnia, ameaçando transferir a sua empresa para fora do estado. A empresa manteve as suas fábricas abertas apesar das regras de saúde do Alameda County e obrigou os funcionários a violar as regras, colocando em risco diretamente os trabalhadores da fábrica. Além disso, todas as tentativas dos trabalhadores para a criação de um sindicato têm sido boicotadas por Musk. Para os trabalhadores, estas práticas laborais são insustentáveis. O mesmo ocorre com o sistema económico que permite que bilionários como Musk tratem os trabalhadores dessa maneira para proteger os lucros e promover extrema desigualdade entre CEOs e trabalhadores. A crise climática foi criada em grande parte por empresas que faturaram milhares de milhões. Enquanto isso, pessoas pobres e trabalhadoras sofrem desproporcionalmente os impactos, incluindo o aumento da desigualdade. Ao construir uma nova economia verde, não podemos permitir que essa exploração persista. Precisamos remodelar não só a nossa rede de transportes e de energia, mas tambémas nossas relações uns com os outros. Não interessa quantos painéis solares e carros elétricos a Tesla produz, se as suas condições de trabalho forem exploradoras para os trabalhadores, ela não é uma empresa sustentável.»
  • «(…) Lembro-me da enxurrada de dinheiros europeus que desabou sobre as nossas cabeças, com a promessa garantida de vir alavancar a nossa definitiva saída do subdesenvolvimento. Lembro-me de como nasceram empresas como cogumelos, financiadas com dinheiros europeus, antes mesmo de saberem o que iam fazer. Da profusão de tias e sobrinhas que descobriram uma vocação inesperada para darem cursos de formação financiados por Bruxelas, em qualquer área ou ramo — muitos dos quais nunca chegaram a acontecer nem o respectivo processo-crime por burla chegou ao fim antes de prescrever, como sucedeu com uma das maiores empresas do país, que também resolveu dedicar-se ao ramo. Lembro-me das auto-estradas para todo o lado e lado nenhum ou, como sabiamente previu Ribeiro Teles, para mais depressa trazerem os legumes e frutas espanhóis, injectados de água e corantes, para os supermercados portugueses, assim arruinando os produtores nacionais — cujo futuro, aliás, o ministro da Agricultura de Cavaco Silva já tinha alienado a Bruxelas a troco de uma ninharia de 120 milhões de contos. Lembro-me do subsídio para plantar pêssegos, logo seguido do subsídio para arrancar pêssegos, ou do “giracídio”, o subsídio para plantar girassóis, que deixava os campos todos amarelos e depois todos negros, porque eles caíam de podres no chão, uma vez que o subsídio contemplava apenas o plantio e não a produção e portanto ninguém se dava ao trabalho de os colher. E lembro-me, claro, dos subsídios para a modernização da maquinaria agrícola, que fizeram as delícias dos concessionários BMW e Mercedes topo de gama.(…) Lá virão eles ao saque, os do costume: os bancos que tudo comissionam, as empresas de consultoria, os escritórios de advocacia de negócios confundindo-se com os de tráfico de influências, as cunhas, os compadrios, as fidelidades partidárias, clubísticas, autárquicas, a maçonaria, o cunhado, a prima, o filho, a mulher do secretário… 36 mil milhões, fora o trivial, chega para todos os do costume. Porém, infelizmente, não garante que chegue aos que merecem mas não dispõem de acesso privilegiado nem garante que muitos enriqueçam à custa de mais um encontro falhado com a História. (…)» Miguel Sousa Tavares, in Teme-se o pior – Expresso 13jun2020.
  • Suketu Mehta (4): «Em 1947, os britânicos, após governarem a Índia com sucesso por mais de 200 anos, estavam desesperados para sair. Enviaram um advogado chamado Sir Cyril Radcliffe e deram-lhe cinco semanas para desenhar duas linhas no mapa, separando uma população de 400 milhões de pessoas ao longo de linhas religiosas. Ele não sabia nada sobre a região; ele nunca tinha estado lá e estava ansioso por sair. Nas semanas anteriores e posteriores à independência, as pessoas perto da fronteira não sabiam de que lado estariam; se ficariam em áreas de maioria muçulmana, hindu ou sikh. Então avançaram uns sobre os outros, para expulsar as minorias, na Índia e no Paquistão. Quatorze milhões e meio de pessoas tiveram que abandonar tudo e atravessar as linhas de Radcliffe em questão de semanas - a maior migração em massa da história. A transferência real foi feita à pressa e o derramamento de sangue que se seguiu representou uma gigantesca falha de controlo por parte das forças militares e policiais liderados pelos britânicos. Foi também uma desastrosa falta de previsão por parte de Lord Mountbatten, o último vice-rei e seus superiores em Londres. Dois milhões de pessoas morreram na violência que se seguiu. E as linhas de Radcliffe haveriam de voltar para pôr em perigo todo o planeta. Dois dos três países que os britânicos criaram através de mapas são potências nucleares. Já entraram em guerra três vezes desde a independência e correm o risco constante de uma quarta e última guerra.» Suketu Mehta, This land is our land – an immigrant’s manifesto – Penguin 2019

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