terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Reflexão – plantar um bilião de árvores não vai travar a crise climática


Plantar um bilião de árvores não vai travar a crise climática, por Victor Resco de Dios, in

Plantar um bilião de árvores é bárbaro. Equivale a um terço do total da Terra. A ideia por trás disso é simples e errada: assume que a Terra deve ser povoada por florestas e que pastagens e savanas são o resultado da degradação e do desmatamento induzido pelo homem.
Essa teoria esquece, por exemplo, que esses ecossistemas apareceram há 8 milhões de anos,  muito antes da nossa chegada. A nossa espécie pode evoluir precisamente graças à existência de savanas.
Os proponentes deste plano também argumentam que é uma solução natural para o problema das mudanças climáticas. É como dizer que os problemas de saúde de uma pessoa sedentária, que bebe e fuma sem parar e consome apenas comida rápida, serão resolvidos se ela começar a comer várias maçãs por dia: não é suficiente, nem de longe.
Refira-se que a crise climática é o resultado da libertação de carbono na atmosfera na forma de CO₂, que foi armazenado durante milhões de anos pelos restos fósseis de triliões de organismos. Por mais árvores que cultivemos, não seremos capazes de neutralizar essas emissões de CO2.
Plantar um bilião de árvores é contraproducente na luta contra a crise climática por vários motivos:
1 Porque são precisos anos, até mesmo décadas até uma floresta funcionar como sumidouro de CO₂. O dióxido de carbono é libertado durante o plantio e as taxas de fotossíntese são baixas em árvores jovens. As mudanças climáticas exigem ações imediatas.
2 Porque as árvores se queimam e as plantações são particularmente vulneráveis a incêndios. A experiência ensinou-nos que as plantações são abandonadas logo depois de feitas. Os custos de manutenção de uma plantação são altos: é necessário usar técnicas de engenharia florestal e outras para alcançar um bom estado de saúde na massa florestal. Mas isso geralmente não é feito porque é caro. Isso implica grandes acúmulos de combustível e pode levar a incêndios particularmente perigosos, como vimos nos mega-incêndios do Chile em 2017.
3 Porque, por vezes, as pastagens armazenam mais CO₂ do que as florestas que se pretende plantar. Além disso, alterar o tipo de vegetação altera o balanço energético. Isso, em alguns casos, pode provocar um maior aquecimento.
4 Porque o mito de que a plantação de árvores corrige as mudanças climáticas não é só falsa, mas também perigosa. Cria a ilusão de que podemos continuar a emitir como de costume e as árvores absorverão o carbono. Será talvez por esse motivo que as potências mundiais apoiam essa medida. Mas, na realidade, nada mais é do que uma operação de maquilhagem. Maquilhagem tóxica.
É curioso ver como, às vezes, o ser humano retrocede em vez de seguir em frente. Fiz a minha tese de doutoramento há cerca de 15 anos no deserto de Sonora, motivado precisamente pelos efeitos negativos das árvores em pastagens subtropicais.
Naquela época, havia um consenso a nível científico sobre os benefícios de manter esses ecossistemas sem árvores. O debate atual sobre os triliões de árvores parece ignorar grande parte da ciência ecológica e florestal dos últimos 50 anos.
É claro que, em muitos ecossistemas, será necessário e desejável plantar. O reflorestamento nada mais é do que uma técnica de engenharia usada para restaurar ecossistemas degradados.
O reflorestamento é indicado, por exemplo, para os ecossistemas que sofreram perdas significativas de biodiversidade, erosão e outros danos causados pela ação recente do homem.
Mas, com o reflorestamento, é criado um ecossistema “Frankenstein”: é como uma operação cirúrgica que combina uma peça daqui e outra dali e que, além disso, tem um período pós-operatório de décadas.
Os estudos indicam que a biodiversidade em repovoamentos só atinge níveis comparáveis aos das florestas naturais passadas várias décadas ou séculos.
Seria mais sensato canalizar recursos de novos programas de criação de florestas para conservar os existentes, travar o desmatamento tropical e desenvolver medidas que incentivem a cessação de emissões.
Via Climatica.


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