quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Reflexão: «Depois das tempestades, reconstruímos nos mesmos lugares e congratulamo-nos por isso, como se fosse um dever patriótico. E ficamos admirados quando a grande tempestade seguinte chega e destrói o local».


Em meados da década de 1980, o pessoal de Wall Street começou a adquirir propriedades ao longo da costa leste dos EUA para construir segundas residências. Em Long Beach Island, em New Jersey, um deles queixou-se ao presidente da Câmara, dizendo-se descontente com o clima. «Ele queria que eu fizesse alguma coisa», recordou o presidente, citado no recente livro de Gilbert M. Gaul, «A Geografia do Risco: Tempestades Épicas, Subida do nível das águas do mar e o Custo das Costas da América.» «Olhei para ele e disse: ' O que é que você quer que eu faça? Você quer que eu pare a chuva? '"
Este é o tipo de estórias que a Gaul usa para ilustrar o “desenvolvimento imprudente das costas” e o sentido de direito de alguns dos envolvidos no desenvolvimento e na compra de casas em zonas costeiras de alto risco. Gaul, ex-jornalista de investigação do Washington Post e de outros jornais, e duas vezes vencedor do Prémio Pulitzer, defende que as tempestades não são apenas muito caras - totalizando 750 biliões de dólares em prejuízos nas últimas duas décadas - mas parecem estar a tornar-se mais severas.
Em «A Geografia do Risco», Gaul concentra-se nos personagens envolvidos no desenvolvimento e no planeamento: os políticos que tomam decisões sobre a proteção das zonas costeiras e oferecem subsídios por danos; as seguradoras que lucram centenas de milhões de dólares; e os cientistas que estudam os fatores ambientais, extremados pelas alterações climáticas, que causaram algumas das maiores tempestades da história.
Gaul diz que é difícil defender que um determinado furacão é causado diretamente pelas alterações climáticas. Mas diz que a subida da temperatura está a ajudar a criar condições para tempestades mais severas, e que devemos «descobrir como isso está a contribuir e como isso pode mudar à medida que avançamos se o planeta continuar a aquecer».
Durante a construção da costa moderna, construímos mais de cem mil casas ao longo das baías, desenterrando velhos pântanos e aterrando-os, tornando aquelas zonas mais vulneráveis. As zonas húmidas atuam essencialmente como uma esponja. Elas ajudam a absorver as tempestades e os impactos das ondas durante os furacões e agem como um amortecedor para as zonas trás delas.
Os proprietários costeiros nunca pagaram prémios sobre o risco real de inundações. O NFIP terá concedido grandes descontos para propriedades mais antigas e de maior risco que sofriam inundações frequentes. E, até recentemente, operava sem reservas. Quando grandes tempestades como Harvey, em 2017, resultaram em reivindicações maciças, fez empréstimos ao Tesouro dos EUA - uma forma disfarçada de subsídio.
Há uma série de outros subsídios que incentivam a construção descontrolada ou mesmo imprudente nas planícies propícias a inundação. Eles variam de subsídios federais para estradas e pontes, assistência em desastres para cidades litorais e autarquias locais, injeção de de areia na frente de casas de praia que valem um milhão de dólares para ampliar a praias erodidas.
Resumindo, construímos 3 triliões em propriedades. Há quem fale em 10 triliões. Muitas delas são segundas residências. Não há uma polegada da costa que não tenha construções em New Jersey. Após as tempestades nós reconstruímos exatamente nos mesmos lugares e congratulamo-nos por isso, como se fosse um dever patriótico. E ficamos admirados quando a grande tempestade seguinte chega e destrói o local.» 
Hope Reese, in Undark.


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