quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Bico calado

  • «(…) Todos os dias o Presidente dos Estados Unidos cria uma polémica nova. Umas sérias, outras não. Umas chocantes, outras patéticas. Quando a coisa o começa a atingir de alguma forma, muda para outra ou recua. Mas a regra é produzir o máximo de ruído, sobrepor polémicas umas nas outras, para que a sua cacofonia leve a uma cacofonia dos seus opositores, que diariamente se indignam com coisas diferentes, sem conseguir ter foco na oposição que lhe fazem. Usando as redes sociais, Trump consegue banalizar os seus próprios disparates, banalizando com isso as críticas que lhe fazem. Já nada tem realmente importância a não ser o festival diário e inconsequente de polémicas. Com as redes sociais, ele consegue construir esta narrativa sem narrativa que os jornalistas seguem, sem outro critério que não seja o de alimentar o espetáculo que Trump lhes oferece. (…) Não sei como se desarma esta armadilha. Sei que Trump e Bolsonaro devem começar a ser tratados pelo que são. Sim, são Presidentes dos seus países. Dois Estados bem relevantes, por sinal. Mas só é importante o que dizem como tal e usando os instrumentos que o Estado lhes garante. Tudo o resto deve ser tratado como é: entretenimento sem qualquer relevância política. Sim, é perigoso não nos indignarmos. Mas a indignação só vale a pena se for consequente, agindo conformidade e com gravidade. Era o que se devia estar a fazer com o que se passa na Amazónia. Para o resto, a resposta da primeira-ministra da Dinamarca deveria ser apenas uma: “Aqui governa-se um país, não temos tempo para palhaçadas”. Esvaziar a polémica é transformá-la no que é: entretenimento de um farsante. Guardem a indignação para aquilo contra o qual pretendem realmente agir. Mantenham o foco, ignorem o ruído.» Daniel Oliveira, in Don’t feed Trump - Expresso Diário, 27ago2019.
  • «(…) Ninguém esqueceu no país que as duas maiorias absolutas do cavaquismo e a do PS de Sócrates se traduziram no abuso absoluto. Um partido governante com maioria absoluta, ensina-nos o nosso historial recente desse tipo de situações, acha-se dispensado de falar às pessoas, de prestar contas à cidadania, de negociar e de debater dentro ou fora do Parlamento as suas decisões, anula facilmente o contraditório, tende a controlar os media em proveito próprio, ilude com muito maior facilidade a fiscalização possível dos seus atos, fomenta quase inelutavelmente o compadrio e a corrupção a todos os níveis. Ninguém se esqueceu em Portugal que as maiorias absolutas pretéritas do PSD e do PS significaram arrogância e autoritarismo, privatizações obscuramente negociadas dos sectores estratégicos da economia, ataques devastadores ao emprego e aos direitos do trabalho, corrupção e promiscuidade atravessando horizontalmente a banca, os negócios e a política, tudo a desaguar no colapso financeiro, na troika e no memorando de entendimento com ela preparado por aqueles dois partidos, a magna carta da austeridade.(…)» Fernando Rosas, in O centro da questão – Público 27ago2019.
  • «(…) as últimas semanas foram particularmente ilustrativas daquilo que carateriza largamente a prática do jornalismo em Portugal. Um jornalismo que vai a reboque dos serviços de relações públicas e das assessorias de partidos, sindicatos, ordens, ligas,… De preferência se estes organismos emitirem comunicados prontos-a-publicar e os seus representantes fizerem declarações prontas-a-servir. Basta vermos a omnipresença nestes últimos tempos, durante dias e semanas a fio, dos mesmos líderes sindicais e de ordens profissionais (para além dos habituais políticos e treinadores de futebol). E, à parte as declarações mais ou menos bombásticas deles, que sabemos nós dos seus percursos profissionais, das condições salariais e demais alcavalas de que usufruem, dos eventuais dissabores judiciários que os ameaçam? Ou das organizações de que são líderes, do número de aderentes, do funcionamento interno, dos meios de que dispõem (lembremo-nos da greve anunciada “por um ano”)? Se tudo ignorávamos, na ignorância ficámos: nenhuma investigação e documentação de fundo foi feita para sermos devidamente informados e fazermos uma opinião cautelosamente fundada.(…)» J.-M. Nobre-Correia, in A informação que temos ou não… - Público 28ago2019.
  • Porque será há milhares de cidadãos a manifestarem-se pela independência em várias cidades do País de Gales? The Canary tenta explicar.

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