quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Reflexão – Os perigos ocultos da batata geneticamente modificada


O ex-diretor de JR Simplot e chefe de equipa da Monsanto, Caius Rommens, revelou os perigos ocultos das batatas transgénicas que criou, numa entrevista para a Sustainable Pulse, no mesmo dia em que seu livro «Pandora's Potatoes: The Worst OGMs» foi lançado na Amazon.

«Durante 26 anos como engenheiro genético, criei centenas de milhares de batatas geneticamente modificadas. Comecei o meu trabalho nas universidades de Amsterdão e Berkeley, continuei na Monsanto e depois trabalhei muitos anos na J. R. Simplot Company, que é uma das maiores processadoras de batatas do mundo. Eu testava as minhas batatas em estufas ou no campo, mas raramente saía do laboratório para visitar os campos ou estações experimentais. Acreditava que o meu conhecimento teórico sobre batatas era suficiente para melhorar as batatas. Este foi um dos meus maiores erros.
É incrível que o USDA e a FDA tenham aprovado as batatas geneticamente modificadas, avaliando apenas os nossos próprios dados. Como podem as agências reguladoras pensar que não há preconceito? Quando eu estava na J.R. Simplot, acreditava que as minhas batatas eram perfeitas. Fui tendencioso e todos os engenheiros genéticos são tendenciosos. Não é apenas um viés emocional. Precisamos que as culturas geneticamente modificadas sejam aprovadas. Há uma enorme pressão para ter sucesso, para justificar a nossa existência, desenvolvendo modificações que geram centenas de milhões de dólares. Testamos os nossos cultivos transgénicos para confirmar a sua segurança, não para questionar a sua segurança.
As petições de regulamentação para a desregulamentação estão cheias de dados sem sentido, mas dificilmente incluem quaisquer tentativas de revelar os efeitos não intencionais. Por exemplo, as petições descrevem o local de inserção do transgene, mas não mencionam as numerosas mutações aleatórias que ocorreram durante as manipulações da cultura de tecidos. E as petições fornecem dados sobre compostos que são seguros e não interessam, como os aminoácidos e açúcares regulares, mas dificilmente dão qualquer medida sobre os níveis de potenciais toxinas ou alérgenos. As agências canadiaanas e japonesas também aprovaram as nossas batatas transgénicas, e as aprovações estão a ser estudadas na China, Coreia do Sul, Taiwan, Malásia, Singapura, México e Filipinas. (…)
Saí da Monsanto para iniciar um programa independente de biotecnologia na J.R. Simplot e saí da J.R. Simplot quando o  meu filtro "pró-biotecnologia" estava a esgotar-se e começava a romper-se; quando descobri os primeiros erros. Esses primeiros erros foram pequenos, mas deixaram-me desconfortável. Eu percebi que ainda tinha que haver erros maiores por descobrir. (…)
Levei muitos anos para dar um passo atrás no meu trabalho, reconsiderar e descobrir os erros. Creio que eu e todos os meus colegas fomos vítimas de lavagem cerebral. Acreditávamos que a essência da vida era uma molécula morta, o DNA, e que poderíamos melhorar a vida mudando essa molécula no laboratório. Também assumimos que o conhecimento teórico era tudo de que precisávamos para ter sucesso, e que uma única mudança genética teria sempre um único efeito intencional.
Deveríamos compreender o DNA e fazer modificações valiosas, mas de facto sabíamos tão pouco sobre o DNA quanto o americano médio sabe sobre a versão em sânscrito do Bhagavad Gita. Nós apenas sabíamos o suficiente para ser perigoso, especialmente quando combinados com o nosso preconceito e a nossa mente estreita. Concentrámo-nos nos benefícios de curto prazo (no laboratório) sem considerar os déficits de longo prazo (no terreno). Foi o mesmo tipo de pensamento que produziu o DDT, os PCBs, o agente laranja, a hormona de crescimento bovino recombinante, etc. É importante que as pessoas entendam o quão pouco engenheiros genéticos sabem, como são tendenciosos e quão errados podem estar. A minha história é apenas um exemplo. (…)
As batatas normais desenvolvem facilmente tecidos danificados que são pontos de entrada para patogénicos e pontos de saída para a água. Eu acreditava que as batatas transgênicas eram resistentes a contusões, mas agora entendo que estava errado. As batatas transgênicas machucam-se tão facilmente quanto as batatas normais, mas as contusões são escondidas. Elas não desenvolvem a cor escura que ajuda os processadores a identificá-las e apará-las. Eu não entendia que as minhas batatas eram incapazes de depositar melanina, um composto protetor, quando danificadas ou infetadas. Mais importante, eu não percebi que as contusões ocultas acumulam certas toxinas que podem comprometer a qualidade nutricional dos alimentos de batata.(…)
O míldio causou grandes fomes na Europa que forçaram milhões de europeus a migrar para os Estados Unidos. Mas isso foi na década de 1840. O míldio não é um grande problema onde a maioria das batatas é cultivada no noroeste seco dos Estados Unidos, mas representa um problema considerável em regiões húmidas. (…) A minha preocupação é que qualquer tentativa de promover a produção de batatas transgênicas em regiões húmidas como o Bangladesh e a Indonésia aumentaria as doenças em vez de as reduzir. Além disso, o míldio é um dos patogénicos mais dinâmicos que afetam a agricultura. É conhecido por evoluir rapidamente em torno de qualquer barreira à resistência. Portanto, a eficácia de um gene de resistência ao míldio não pode ser garantida, e o gene de resistência pode ser quebrado a qualquer momento. 
Acho que não há provas suficientes para afirmar que a batata transgénica é cancerígena.
Usei o DNA de uma variedade pública de batata para criar uma variedade privada. Essa estratégia pode ser eticamente problemática, mas é legalmente aceitável. No entanto, um dos genes que foram usados para criar as batatas transgênicas é derivado de uma planta única de batata selvagem que cresce na Argentina. Acredito que a obtenção e patenteamento desse gene sem permissão da Argentina foi um ato de biopirataria.
Sobre se a possibilidade de as batatas transgênicas causarem silenciamento de genes em outras batatas ou insetos polinizadores, como as abelhas, tenho a dizer o seguinte: o problema com certos insetos, incluindo as abelhas, é que eles não podem degradar os pequenos RNAs de cadeia dupla que causam o silenciamento do gene. Esses RNAs de cadeia dupla deveriam silenciar vários genes de batata em tubérculos, mas eles provavelmente também seriam expressos em pólen. Assim, quando o pólen é consumido pelas abelhas, os RNAs de cadeia dupla neste pólen podem silenciar genes de abelhas que compartilham homologia inadvertida.
(…)
O principal problema do atual processo de desregulamentação dos cultivos transgênicos é que ele é baseado numa avaliação dos dados fornecidos pelos produtores de cultivos transgénicos. Existe um conflito de interesses. Proponho que a segurança das culturas transgénicas seja avaliada por um grupo independente de cientistas treinados em identificar efeitos não intencionais.»


Curiosidade:
Batata transgênica promete benefícios à saúde, titulava o Folha de S. Paulo de 25nov2014 a partir de um artigo de Andrew Pollack, no NYTimes.

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