segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Açores: obras de remodelação de tanques de combustíveis na base aérea das Lajes expôs centenas de trabalhadores a substâncias tóxicas

  • «(…) Cerca de 450 trabalhadores portugueses estiveram envolvidos na obra de remodelação do "Tank Farm" (tanques de armazenamento de combustíveis) dos norte-americanos situado a sul da Base das Lajes, entre esta infraestrutura e o porto oceânico da Praia da Vitória. (…) A obra decorreu na segunda metade dos anos oitenta do século XX, depois de a empresa norte-americana Oman-Fischbach Internacional ter ganho, em 1985, um concurso público lançado pela engenharia naval dos EUA (Atlantic Division, Naval Facilities Engineering Command, Norfolk, Virgina). A substituição de tanques antigos por outros modernos (à altura) e de maior dimensão, parece ter sido o objetivo central das obras, que obrigaram à remoção de enormes massas de terra. (…) Tratores de rastos de grandes dimensões e máquinas retroescavadoras reviraram todo o antigo "Tank Farm", preparando o terreno para a nova infraestrutura. O trabalho dessas máquinas era acompanhado por brigadas de trabalhadores. Cada uma dessas brigadas poderia envolver dezenas de trabalhadores manuais, que utilizavam pás, picaretas, enxadas e outros instrumentos, para ajudar a preparar (alisar, sobretudo) o terreno revolvido pelas máquinas. "Era um trabalho muito duro!", recorda Alberto Vieira. À medida que os trabalhos avançavam, Vieira foi-se fixando, surpreendido, na cor da terra. "A terra aparecia de várias cores, por vezes em camadas. Era escura, esverdeada, avermelhada... Nunca tinha visto nada parecido", recorda Vieira. Outros antigos trabalhadores com quem DI falou, mas que preferem manter-se anónimos, por receio de represálias, confirmam as tonalidades da terra. Alguns lembram-se de outros tons, para além dos referidos por Vieira. São citados casos de terra cinzenta, cor-de-rosa, amarela e até azul. (…) Um trabalhador muito jovem parecia drogado logo nos primeiros dias de atividade. Trabalhava de enxada na mão atrás dos tratores que removiam a terra e a partir de poucos dias de atividade aparentava estar zonzo em permanência. Alberto Vieira chegou a chamá-lo para conversarem. Sabia que o rapaz precisava de trabalhar, mas não podia permitir drogados na sua equipa. As dúvidas do capataz, porém, dissiparam-se depressa. "Começamos a ficar todos drogados... Percebi que o problema não era só do rapaz", explica. (…) Mas o cheiro acabou por não ser o pior dos problemas. Além das tonturas, que eram permanentes, os trabalhadores sentiam um mal-estar geral. "Por mim tinha dores de cabeça permanentes e dores no estômago. Os outros queixavam-se do mesmo. Cheguei a tomar muitos medicamentos, sobretudo para o estômago, mas o problema nunca se resolveu. Só me senti aliviado quando saí dali", recorda Alberto Vieira. Quase todos os antigos trabalhadores das obras do "tankfarm" com quem DI falou sofrem de doenças do foro oncológico ou outras que podem ser associadas à exposição a hidrocarbonetos e derivados. Cancros do pulmão, da tiroide e do rim são os mais mencionados. Porém, há também casos de impotência sexual ainda em idades muito jovens, problemas cardíacos, entre muitas outras histórias clínicas. Alguns trabalhadores lembram-se de antigos colegas que morreram novos, provavelmente por morte súbita difícil de explicar. A associação entre o "Tank Farm" e as doenças oncológicas é feita num estudo mandado elaborar pelos norte-americanos em 2007 e do qual DI tem uma cópia em seu poder. O trabalho incidiu apenas sobre a exposição a alguns contaminantes - cerca de 10 - e em situação passiva, ou seja, sem a remoção ou contactos com terras contaminadas. Os trabalhadores que participaram na obra de remodelação estiveram expostos a centenas de contaminantes e numa situação de contacto direto e manuseamento direto, uma vez que a terra estava a ser removida, daí os cheiros que deixavam os trabalhadores tontos.(…)» Armando Mendes, in Obras no "Tank Farm" na segunda metade dos anos 80 do século XX: Brincar com a sorte e com a própria vida - Diário Insular, via Felix Rodrigues, FB. A propósito:  US base in the Azores linked to inflated cancer rates, environmental damage (Base dos EUA nos Açores associada a índices elevados de cancro, danos ambientais), Ruptly (14:00).
  • O Ministério Público acusou um clube de caça e pesca de Vila Verde e o respetivo presidente de um crime de poluição, pela contaminação, pelo menos desde 2005, de um terreno agrícola em Sabariz com uma enorme quantidade de chumbos. Análises feitas ao solo em 20011 e 2016 revelaram teores de chumbo de 11 a 16 vezes superiores ao limite legal. Diário Rural.
  • Os problemas da indústria de reciclagem de plásticos estão a custar 500 mil libras por ano aos municípios britânicos, na sequência das proibições de importação impostas pelos países que deixaram de importar os resíduos do Reino Unido. The Guardian. Quem sabe este novo factor não venha a acelerar a tomada de medidas para reduzir a produção de plásticos?

1 comentário:

OLima disse...

«(...)O que me chamou de imediato à atenção nessa reportagem foram as fotografias da época que o Diário Insular revelou e que de facto apresentam perfis de solos incomuns, com cores inusuais, dispostas umas sobre as outras.
Na fotografia,onde aparece a pá de uma retroescavadora, consegue-se perceber a existência de uma camada castanha no topo, que tem tudo para ser considerada solo, maioritariamente orgânico, e com uma coloração equivalente a praticamente todos os solos que se encontram à superfície da ilha. Abaixo dessa camada, contei pelo menos sete cores diferentes, sem contar com a gradação de cores entre camadas. Não conheço qualquer descrição de solos com tais camadas de cores nos Açores, o que se torna claro ser poluição.
Abaixo do solo, parecem encontrar-se argilas cuja plasticidade se nota na fotografia que apresentaram na capa dessa edição. (...)
Que metais pesados é, então possível dizer que estão presentes no solo do South Tank Farm, a partir das fotografias? Isso é possível?
É possível, mas não inequívoco, uma vez que diferentes óxidos de metais pesados podem originar a olho nu a mesma coloração, mas laboratorialmente pode-se determinar a frequência ou comprimente de onda que associa uma cor a um metal específico. (...)
É mais fácil perspetivar a existência de determinados metais no solo a partir do seu excesso na água, porque se ele existe na água, também existirá numa fração do solo.
Pegando nos resultados do LNEC encontrados na água do aquífero basal na zona do South Tank Farm, encontramos em excesso:
Alumínio- Origina uma coloração branca e misturando-se com outros componentes, apresenta uma coloração esbranquiçada. Observa-se uma camada com uma coloração compatível com excesso de alumínio.
Crómio-Dá uma coloração verde que justifica a observação de Alberto Vieira: "A terra aparecia de várias cores, por vezes em camadas. Era escura, esverdeada, avermelhada... Nunca tinha visto nada parecido".
Cobalto- dá uma coloração azul, entre outras, que justifica a observação: "São citados casos de terra cinzenta, cor-de-rosa, amarela e até azul".
Manganês- Esses óxidos podem adquirir diferentes cores, desde o preto ao amarelo e por exemplo foram usados nas pinturas rupestres de Lascaux e explicam claramente as cores de alguns perfis das imagens.
Molibdénio- O seu óxido poderia dar a cor violeta, que não é possível observarnas fotos, mas também poderá produzir uma cor alaranjada, essa sim presente nos perfis.
Níquel- produz cores indefinidas, mas junto com outros dá cores muito variadas.
Prata- Produz uma coloração negra, mas o negro que se observa na fotografia é muito claro que deriva de hidrocarbonetos.
Vanádio- Usualmente produz um amarelo opaco. Tais cores estão presentes nos perfis do solo.
Os exemplos que dou prendem-se com os metais pesados que estão em excesso na água e como tal também estão em excesso no solo do local.
Por que razões se formam camadas no solo e não se misturam as cores?
Cada composto metálico tem afinidades diferentes com a fase orgânica e inorgânica que está no solo, formando compostos de diferentes dimensões, ou seja, de dimensões distintas, o que faz com que tenham mobilidades completamente distintas. Todos migram no solo,mas com velocidades diferentes e esse facto é semelhante ao que ocorre na técnica designada por cromatografia em papel, só que aqui as substâncias migram de cima para baixo em vez de baixo para cima.
As descrições dos efeitos físicos que os trabalhadores dizem ter tido no local também são compatíveis com interpretações científicas?
Muitos deles sim, e estão descritos na bibliografia da área da toxicologia, mas o de facto descrevem é um fenómeno muito intenso de poluição.» in Diário Insular, "Félix Rodrigues, investigador da Universidade dos Açores: Paleta de cores no Tank Farm igual a metais pesados na água".

Via Felix Rodrigues, FB.
https://www.facebook.com/antonio.rodrigues.12576/posts/10211775116275341