quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Reflexão - «Quem ganha com os contratos de exploração de petróleo em Portugal?»


«(…) Ao contrário do Euromilhões, quem joga (i.e., as empresas petrolíferas) não está a sonhar com um prémio milionário, quase impossível de obter; aspira antes a um retorno suficientemente elevado para justificar a aposta. Ou seja: é bem possível que haja petróleo em Portugal; mas é pouco provável que o país fique rico por isso. (…)
De acordo com esses contratos, o Estado Português receberia uma modesta percentagem do valor do petróleo produzido (entre 3% e 7%, em função das quantidades extraídas, no caso dos contratos do litoral alentejano), depois de descontados todos os custos de pesquisa e desenvolvimento dos campos petrolíferos e os custos operacionais. Os contratos estipulam também que a contrapartida para o Estado só começaria a ser paga depois de integralmente cobertos os custos de investimento. (…) o Estado português não ganharia mais do que algumas centésimas do PIB em cada ano (já incluindo as receitas de impostos). 
Mais problemático ainda, as empresas concessionárias têm uma responsabilidade limitada nos custos de eventuais acidentes ambientais, os quais teriam de ser assumidos pelo Estado e pelas populações e empresas afectadas. 
É sabido que insistir na exploração do petróleo é contraditório com a intenção de combater as alterações climáticas: os estudos disponíveis mostram que para manter o aumento da temperatura global abaixo dos dois graus celsius nas próximas décadas seria necessário que pelo menos 80% das reservas de combustíveis fósseis mundiais permanecessem debaixo do solo. Mas não é necessário ser um político coerente, um cidadão consciente ou um ambientalista convicto para questionar a bondade dos contratos para a exploração de petróleo em Portugal. Os contratos em vigor têm todo o aspecto de mau negócio para o Estado. Infelizmente, a sua história não augura nada de bom. 
Os contratos em vigor regem-se por legislação ultrapassada (de 1994), que minimiza os requisitos e as responsabilidades das empresas concessionárias. Algumas concessões têm transitado de empresa para empresa através de simples adendas aos contratos, sem concurso público (é o caso, por exemplo, do famoso furo de Aljezur); outras foram contratadas em vésperas de eleições (como é o caso do furo previsto para a zona de Aljubarrota, cuja concessão foi atribuída em 30.9.2015). 
Nos contratos encontramos os sinais típicos das portas giratórias entre os sectores público e privado, com assinaturas de representantes das petrolíferas que se destacaram pouco tempo antes em áreas de governo relacionadas; e assinaturas de representantes do Estado que entretanto se tornaram arguidos de processos judiciais por suspeita de beneficiarem ilegitimamente interesses particulares. (…)» Ricardo Paes Mamede, in Quem ganha com os contratos de exploração de petróleo em Portugal?

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