terça-feira, 25 de julho de 2017

Reflexão - Fogo: da utopia à realidade

Imagem captada aqui.

«Portugal sem fogos é uma utopia! O país possui um clima mediterrânico que apresenta temperaturas médias anuais moderadas, com verões quentes e secos e invernos relativamente suaves. As amplitudes térmicas anuais são moderadas e a precipitação é reduzida e irregular, ocorrendo especialmente no outono e inverno. Mas muito se poderá fazer para minimizar os efeitos dramáticos dos incêndios e valorizar a floresta. (…)

Os meus antepassados viviam no meio rural, viviam da agricultura e da floresta. A minha mãe conta de uma forma simples e clara, que o mato da floresta era utilizado para múltiplos fins. Para os fogões que eram à lenha, para alimentar as lareiras, para a cama do gado e para cobrir os pátios das casas, que eram de terra batida. O mato era vendido para quem não tinha abastecimento suficiente. O mato que seguia pelo rio em embarcações para a cidade era chamado “mato do rio” e era apanhado pelas mulheres de madrugada, pela fresca, era disposto em pequenos feixes e amarrado com a carqueja.

Os rebanhos em pastoreio também contribuíam para o controlo dos matos. Os pinheiros eram resinados e até a casca do eucalipto era retirada e utilizada para acender as lareiras. A limpeza dos matos era ainda fundamental, para ser mais fácil apanhar a caruma (agulhas secas do pinheiro), muito utilizada sobretudo nos fogões a lenha. Desse modo, o fogo podia ter início nos espaços florestais, mas não havia combustível suficiente para a sua propagação por extensas áreas e rapidamente era controlado, muitas vezes, pela própria população. 

O abandono do meio rural foi acumulando na floresta o combustível. Os pinheiros deixaram de ser resinados. A população passou a ter gás e eletricidade, substituiu os fertilizantes naturais (estrume, constituído pelos matos e excrementos dos animais), por adubos químicos. Os grandes rebanhos foram sendo cada vez menos. Houve profundas alterações socioeconómicas na população residente nos meios rurais que culminaram numa redução drástica dos seus efetivos, com o passar do tempo cada vez mais envelhecidos. O abandono dos espaços florestais geridos e das áreas agricultadas que funcionavam como áreas de contenção criou manchas contínuas de floresta, muitas vezes com grande quantidade de combustível, sem qualquer tipo de gestão, o que facilitou a propagação dos incêndios. O servo fogo transformou-se num amo implacável! A acumulação de biomassa na floresta facilitou a propagação dos incêndios que tornaram-se cada vez mais destrutivos, com perdas de bens materiais, de animais e o mais grave, de vidas humanas.

A substituição das folhosas como carvalhos (Quercus spp.) e castanheiros (Castanea sativa) por resinosas como o pinheiro-bravo (Pinus pinaster), que após vários incêndios não regenera e acaba por ser substituído por matos, ou por monoculturas de eucalipto (Eucalyptus globulus), diminuiu a diversidade da floresta com impactos negativos no solo, sobretudo devido a uma gestão desadequada.
Por outro lado, um dos maiores problemas causados pelos incêndios é a propagação de espécies invasoras, que homogeneízam a paisagem e tornam os ecossistemas demasiado pobres. Espécies como as acácias, entre elas a mimosa (Acacia dealbata), a austrália (Acacia melanoxylon) e a acácia-de-espigas (Acacia longifolia) produzem uma quantidade enorme de sementes que todos os anos se acumula no solo e, à passagem do fogo, germinam rapidamente ocupando o habitat das espécies autóctones, constituindo uma grave ameaça à biodiversidade. As espécies invasoras alteram profundamente os ecossistemas e reduzem drasticamente os seus serviços.

A floresta em Portugal é maioritariamente privada e alguns herdeiros nem sabem que o são. Urge ordenar o espaço florestal e tomar medidas para que os fogos florestais não culminem em tragédias. Organizar o cadastro rural, podendo dessa forma exigir a limpeza dos terrenos, proteger as populações, dar formação e condições aos bombeiros para agirem prontamente e de forma eficaz. Criar áreas de contenção com espécies autóctones bem estabelecidas nos diferentes estratos. As florestas com maior biodiversidade são mais resilientes e prestam mais e melhores serviços. Da mesma forma, um uso múltiplo da floresta permite diversificar os seus produtos e subprodutos exploráveis, contribuindo para criar um mosaico que interrompe a continuidade do combustível e aumenta a riqueza paisagística. A produtividade não tem de ser incompatível com a conservação da Natureza, antes, devem complementar-se para aumentar a resiliência às perturbações, como o fogo, e os serviços de ecossistemas prestados.

Temos que estar conscientes da importância de plantar floresta autóctone, espécies como o castanheiro (Castanea sativa), os carvalhos (Quercus spp.), onde se inclui a nossa Árvore Nacional, desde 2011, o sobreiro (Quercus suber) e outras, que podem fornecer-nos múltiplos serviços. Se não crescerem no nosso tempo, que seja para os nossos filhos e netos, para que a floresta do futuro seja consideravelmente mais sustentável.

É fundamental a mudança de mentalidades que deve entre outras coisas passar pela Educação Ambiental. Conhecer a floresta e a sua importância. Não se ama aquilo que não se conhece! Os nossos jovens vivem nos meios urbanos, de costas voltadas para as florestas, serão os decisores do futuro, os currículos escolares devem contemplar essa temática. 
(…)»


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