terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Reflexão: Tejo, o sonho austeritário para o sul da Europa

Rio Cavalum, Milhundos, Penafiel. Foto de André Gomes 14jul2011.

Tejo: o sonho austeritário para o sul da Europa
por Nelson de Carvalho in MedioTejo 13fev2016.


«Lembro-me de que, nos anos 90, a Câmara de Abrantes mandou fazer um Plano Diretor para o Saneamento Básico. O objetivo era que fosse o instrumento orientador para cumprir o objetivo de Bruxelas de atingir um nível de atendimento (população servida de tratamento de águas residuais) superior a 90%. Dele decorreu um programa de construção de ETARs, creio que entre 95 e 99, de que refiro, de cor, Martinchel, Souto e Carvalhal (a norte)  a que mais tarde outras se juntaram (Aldeia do Mato …), intervenções de requalificação da ETAR de lagonagem de S. Facundo e mais tarde a construção da de Vale das Mós, e um conjunto de redes de saneamento associadas. 

Desse Plano derivou um programa central de intervenção, candidatado e aprovado para financiamento comunitário o âmbito do Sub-programa B do QCA, chamado “Cuidar do Tejo”, e onde se incluíam as ETARs de Abrantes (Fonte Quente) e Rio de Moinhos na margem norte (mais tarde saneamento e ETAR em Mouriscas) e Tramagal, Rossio/São Miguel, Pego, Concavada e Alvega na margem Sul. De modo complementar avançou-se com o encerramento e a reabilitação ambiental e paisagística da antiga lixeira, ela própria situada na margem direita do Tejo. Isso no tempo em que Bruxelas (e o Estado Português) tinham como políticas centrais as políticas ambientais: saneamento e gestão de resíduos urbanos. 

É da mesma altura a construção do aterro sanitário e do ecocentro bem como a instalação da rede de ecopontos. E assim foi nos municípios do país. Todavia as coisas mudam. Bruxelas passou a querer outras coisas. A partir de 2009, com o estalar da crise financeira na sequência da crise dos bancos associada à nova guerra económica global que as economias emergentes  abriram, a Europa e Bruxelas passaram a sonhar outras coisas, particularmente para os países mediterrânicos: criar as condições para que se pudessem tornar no grande parque industrial da Europa para sediar o capitalismo desqualificado, livre das obrigações em matéria de custos sociais e ambientais (os países centrais e nórdicos ficariam com a economia “limpa”). 

E agora, sim, o Tejo. Há cerca de um ano, todos os dias, fotos e vídeos do Tejo inundaram as redes sociais. Poluição como nunca visto. E um fenómeno novo: as autoridades (o Estado) espanholas e portuguesas remetidas ao silêncio. Em Bruxelas os tecnocratas assobiavam para o ar. Tajo/Tejo? Isso é aonde? É o estrondo diário que corre nas redes sociais, em particular no Facebook, e um enorme trabalho de cidadãos e associações que coloca todos os dias o problema e exige soluções. Há dias, só há dias, uma delegação de parlamentares europeus visitou o Tejo, em Espanha. Não sei porquê, não havia deputados portugueses na comitiva. Os ministérios do ambiente e os parlamentos nacionais começam agora a olhar e a fazer coisas. Mas daqui a pedaço vamos ver novos vídeos com a data do dia.

CURIOSO. Parece que o problema está mesmo entregue apenas aos cidadãos e à sua cidadania activa. Persistente e insistente. Os Estados habituaram-se a estar de joelhos e Bruxelas sonha com outras coisas.»

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