«Não abundam em Portugal muitas personalidades com a dignidade, a sabedoria e a humildade inata do Gonçalo Ribeiro Telles. O país terá sempre para com ele uma enorme dívida de gratidão. Que se ergam bem alto as taças neste dia 25 de Maio de 2020!
(…)
Figura tutelar da defesa da paisagem e da intervenção ecologicamente fundamentada no território, a ele se fica a dever o lançamento da Política de Ambiente em Portugal, cujas bases programáticas, apesar de muito adulteradas e promiscuamente manipuladas, ainda são as da legislação primeva que ele fez publicar quando lhe deram possibilidade de passar pelo Poder. (…)
Já poucos se recordam de o verem, inesperadamente, surgir no jornal da Televisão naquela trágica noite de 1967 depois das catastróficas inundações na região de Lisboa em que morreram muitas centenas de pessoas e foram arrasadas habitações, campos e estradas. E ele surgiu para explicar que tudo se devia à falta de ordenamento do território e à ocupação das cabeceiras das bacias hidrográficas por gente que vivia em condições miseráveis de habitação – um escândalo naquele regime!
Foi mais tarde, enquanto ministro de Estado e da Qualidade de Vida, que fez sair a legislação fundadora da Política de Ambiente, em que se destacam a Reserva Agrícola Nacional (RAN), para defender a pequena percentagem de solos de maior fertilidade de que o país dispõe; a Reserva Ecológica Nacional (REN), a qual, embora muito manipulada, continua a proteger minimamente os valores mais importantes da biodiversidade; os PROTs, que criaram pela primeira vez o conceito de ordenamento regional acima dos municípios; os PDMs, que ainda hoje, apesar de muitas vezes terem saído desequilibrados nas relações de tratamento entre o espaço rural e o urbano, são os instrumentos das intervenções sustentáveis sobre a paisagem; e muita outra legislação de defesa do Ambiente.
As lutas que travou ao longo da vida marcaram a sociedade portuguesa e foram testemunho do pensador e do técnico que estava em regra à frente do seu tempo. Considerado utópico quando há mais de 50 anos se batia pelas hortas urbanas de Lisboa, elas são hoje um sinal da modernidade municipal adaptada à ecologia global. (…)»
Fernando Santos Pessoa, in Público 25mai2020.
Breves apontamentos:
- «A limpeza da floresta é um mito. O que se limpa na floresta, a matéria orgânica? E o que se faz à matéria orgânica, deita-se fora, queima-se? Dantes era com essa matéria que se ia mantendo a agricultura em boas condições e melhorando a qualidade dos solos. E, ao mesmo tempo, era mantida a quantidade suficiente na mata para que houvesse uma maior capacidade de retenção da água. Com a limpeza exaustiva transformámos a mata num espelho e a água corre mais velozmente e menos se retém na mata, portanto mais seco fica o ambiente.» Gonçalo Ribeiro Telles, à Visão, referida por este blogue.
- «(...) Talvez a culpa seja minha, porque fui deputado e participei na construção de uma democracia que a páginas tantas se distraiu e não soube resolver problemas estruturais, como o reordenamento do território e das florestas, assim como o combate ao abandono e à desertificação do país. Não se ouviu como se devia ter ouvido o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles. É certo que por vezes protestei, mesmo contra o meu próprio partido. Mas não foi suficiente. Não consigo calar-me e sinto-me culpado. (...)» Manuel Alegre in Não consigo ficar calado – DN 18out2017, referência deste blogue.
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