Chris Hedges, Substack. Trad. O’Lima.
No início do século XX, o Império Britânico estava, tal como o nosso, em declínio terminal. Sessenta por cento dos ingleses estavam fisicamente inaptos para o serviço militar, assim como 77% dos jovens norte-americanos. O Partido Liberal, assim como o Partido Democrata, embora reconhecesse a necessidade de reformas, pouco fez para resolver as desigualdades económicas e sociais que condenavam a classe trabalhadora a viver em habitações precárias, respirar ar poluído, ser privada de saneamento básico e cuidados de saúde e ser forçada a trabalhar em empregos exaustivos e mal remunerados.
Em resposta, o governo conservador formou um Comité Interministerial sobre Deterioração Física para examinar a «deterioração de certas classes da população», ou seja, os pobres urbanos. O relatório ficou conhecido como «a degeneração da nossa raça». Rapidamente foram feitas analogias, com muita precisão, com a decadência e degeneração do final do Império Romano.
Rudyard Kipling, que romantizou e mitificou o Império Britânico e as suas forças armadas, no seu poema «The Islanders» (1902), alertou os britânicos de que se tinham tornado complacentes e flácidos devido à arrogância, indolência e privilégios. Eles não estavam preparados para sustentar o Império. Ele desesperava-se com a perda do espírito marcial dos «filhos da cidade protegida — desestruturados, inexperientes, inadequados» e pedia o serviço militar obrigatório. Ele criticava duramente as forças armadas britânicas pela sua crescente dependência de mercenários e tropas coloniais, «os homens que sabiam atirar e cavalgar», assim como mercenários e milícias aumentam cada vez mais as forças norte-americanas no estrangeiro.
Kipling condava o público britânico pela sua preocupação com «bugigangas» e desportos espetaculares, incluindo «os tolos de flanela no wicket ou os patetas enlameados nos golos», atletas que, segundo ele, deveriam estar a combater na guerra na África do Sul. Ele previu, na sucessão de desastres militares britânicos durante a Guerra dos Boeres na África do Sul, que havia terminado recentemente, a perda iminente do domínio global britânico, da mesma forma que as duas décadas de fiascos militares no Médio Oriente corroeram a hegemonia dos EUA.
A preocupação com o declínio físico, também interpretado como declínio moral, foi o que levou o Secretário da Guerra Pete Hegseth a condenar os «generais gordos» e a ordenar que as mulheres nas forças armadas cumprissem os «mais elevados padrões masculinos» de aptidão física. É isso que está por trás do seu «Warrior Ethos Tasking», planos para melhorar a aptidão física, os padrões de aparência e a prontidão militar.
O Secretário da Guerra dos EUA, Pete Hegseth, fala com altas patentes militares em 30 de setembro de 2025, em Quantico, Virgínia. Cerca de 800 generais, almirantes e altas patentes foram convocados para um único local, vindos de todo o mundo, em pouco tempo.
(Foto de Andrew Harnik/Getty Images)
Vivemos num momento histórico assustadoramente semelhante. A Grã-Bretanha, 12 anos após o lamento de Kipling, mergulhou no suicídio coletivo da Primeira Guerra Mundial, um conflito que ceifou a vida de mais de um milhão de soldados britânicos e da Commonwealth e condenou o Império Britânico.
H.G. Wells, que antecipou a guerra de trincheiras, os tanques e as metralhadoras, foi um dos poucos a perceber para onde a Grã-Bretanha se dirigia. Em 1908, escreveu «A Guerra no Ar». Ele alertou que as guerras futuras não se limitariam a nações antagónicas, mas tornar-se-iam globais. Essas guerras, como aconteceu na invasão italiana da Etiópia em 1935, na Guerra Civil Espanhola e na Segunda Guerra Mundial, realizariam bombardeamentos aéreos indiscriminados contra civis. Ele também previu, em «O Mundo Libertado», o lançamento de bombas atómicas.
Quase um terço da população da Inglaterra eduardiana vivia em extrema pobreza. A causa, como observou Seebohm Rowntree no seu estudo sobre os bairros de lata, não era, como afirmavam os conservadores, o alcoolismo, a preguiça, a falta de iniciativa ou responsabilidade dos pobres, mas sim o facto de «os salários pagos ao trabalho não qualificado em York serem insuficientes para proporcionar alimentação, habitação e vestuário adequados para manter uma família de tamanho moderado num estado de eficiência física mínima».
Os EUA têm uma das taxas de pobreza mais altas entre as nações industrializadas ocidentais, estimada por muitos economistas em muito acima do número oficial de 10,6%. Em termos reais, cerca de 41% dos norte-americanos são pobres ou têm baixos rendimentos, com 67% vivendo de salário em salário.
Os eugenistas britânicos do Laboratório Galton para a Eugenia Nacional — fundado por Sir Francis Galton, que cunhou o termo «eugenia» — defendiam a «eugenia positiva», ou seja, a «melhoria» da raça, incentivando aqueles considerados superiores — sempre membros brancos das classes média e alta — a terem famílias numerosas. A «eugenia negativa» era defendida para limitar o número de filhos nascidos de pessoas consideradas «inadequadas». Isso seria alcançado através da esterilização e da separação dos sexos.
Winston Churchill, que foi ministro do Interior no governo liberal de H.H. Asquith em 1910-11, apoiou a esterilização forçada dos «deficientes mentais», chamando-os de «perigo nacional e racial» e «a fonte que alimenta a corrente da loucura».
A Casa Branca de Trump, liderada por Stephen Miller, está determinada a realizar uma seleção semelhante na sociedade norte-americana. Aqueles dotados de traços hereditários «negativos» — geralmente baseados na raça — são condenados como contaminantes humanos que um exército de agentes mascarados da Imigração e Alfândega aterroriza, encarcera e expurga da sociedade.
Miller, em e-mails divulgados em 2019, elogia o romance "O Campo dos Santos" (1973), escrito por Jean Raspail. O livro narra a história de uma frota de pessoas do sul da Ásia que invade a França e destrói a civilização ocidental. Os imigrantes, que a administração Trump agora persegue, são descritos como «fantasmas de cabelos crespos, pele escura e há muito desprezados» e «formigas que trabalham arduamente para o conforto do homem branco». As multidões sul-asiáticas são «pequenos mendigos grotescos das ruas de Calcutá», liderados por um «gigantesco hindu» comedor de fezes conhecido como «o comedor de cocó».
Esta, na sua forma mais difamatória, é a tese da teoria da «Grande Substituição», a crença de que as raças brancas na Europa e na América do Norte estão a ser «substituídas» por «raças inferiores da Terra».
Donald Trump gaba-se de que será o «presidente da fertilização». Os casais norte-americanos — ou seja, os casais brancos — receberão incentivos da sua administração para terem mais filhos, a fim de combater o declínio das taxas de natalidade. Na linguagem da direita, aqueles que promovem esta versão atualizada da «eugenia positiva» são conhecidos como «pronatalistas». O governo Trump também reduzirá o número de refugiados admitidos nos EUA no próximo ano para um nível simbólico de 7.500, com a maioria dessas vagas preenchidas por sul-africanos brancos.
Os aliados de Trump nas grandes empresas de tecnologia estão ocupados a criar a infraestrutura de fertilidade para conceber crianças com características hereditárias «positivas». Sam Altman, que recebeu um contrato militar de um ano no valor de 200 milhões de dólares da administração Trump, investiu em tecnologia para permitir que os pais editem geneticamente os seus filhos antes da concepção para produzir «bebés de design».
Peter Thiel, cofundador da Palantir, que está a facilitar os esforços de deportação em massa da administração Trump, apoiou uma empresa de triagem de embriões chamada Orchid Health. A Orchid promete ajudar os pais a conceber filhos «saudáveis» por meio de testes embrionários e tecnologia de seleção. Elon Musk, um fervoroso pronatalista e crente na teoria da Grande Substituição, é supostamente um cliente da startup.
O objetivo é capacitar os pais a selecionar embriões com base no QI e escolher «a inteligência dos seus filhos antes do nascimento», como observa o Wall Street Journal.
Estamos a cometer os mesmos erros autodestrutivos cometidos pela classe política britânica que supervisionou o declínio do Império Britânico e orquestrou a loucura suicida da Primeira Guerra Mundial. Culpamos os pobres pela sua própria pobreza. Acreditamos na superioridade da raça branca sobre as outras raças, esmagando a infinidade de vozes, culturas e experiências que criam uma sociedade dinâmica. Procuramos combater as injustiças, juntamente com a desigualdade económica e social, com hipermasculinidade, militarismo e força, o que acelera a decadência interna e nos impulsiona para uma guerra global desastrosa, talvez, no nosso caso, com a China.
Wells zombava da idiotice de uma classe dominante privilegiada, incapaz de analisar ou resolver os problemas sociais que ela própria havia criado. Ele criticava duramente a elite política britânica pela sua ignorância e incompetência. Eles tinham vulgarizado a democracia, escrevia ele, com o seu racismo, hipernacionalismo e discurso público simplista e repleto de clichés, alimentado por uma imprensa sensacionalista. Se uma crise surgisse, Wells advertiu, esses mandarins, como os nossos, ateariam fogo na pira funerária do império.
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