Ocupação da PSP da igreja da Ribeira Seca em Machico, Madeira, 29 de fevereiro de 1985. Pormenores.
Às sete e meia da manhã desse 27 de fevereiro foi o dilúvio na Ribeira Seca. Setenta polícias comandados pelo major Homem Costa (filho), em duas carrinhas, penetram na igreja e na casa paroquial.
Escoltados pelos polícias, o Padre Pestana Martinho, o presidente da Câmara Municipal de Machico, Jorge Gomes, o adjunto do presidente do Conselho Regional, Carlos Machado e dois carpinteiros funcionários públicos arrombaram a porta — ainda lá estão os buracos, para memória futura. (…)
Pouco depois, saíram da igreja o Padre Pestana Martinho, o presidente da Câmara e o comandante da polícia, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Com documentos e livros nos braços, registos e escritos, os missais, os altifalantes, os corporais do altar, os microfones e os paramentos, cálices e âmbulas da Comunhão.
Os carpinteiros mudaram de imediato as fechaduras de todas as portas. «Ironia», pensou Martins, «desde 1955 que a Igreja celebra no 1.º de Maio o dia de São José Operário, data oficialmente estabelecida por Pio XII para não perder a consciência dos trabalhadores».
Porém, nessa manhã, assim que a polícia se retirou, o povo entrou, partiu o barrote e abriu as portas e janelas da igreja de par em par.
Chegou rapidamente um novo reforço policial — desta vez era a polícia de choque com bastões e viseiras. Espancaram operários da construção civil da Matur e da Grão-Pará, que conseguiram à força entrar no adro. Levaram presas várias pessoas. (…)
Na Ribeira Seca, a polícia cercou a igreja e o povo cercou a polícia.
Dezoito dias e dezoito noites. Elas de dia vinham bordar em redor da igreja, eles de noite, depois de saírem do trabalho nas terras e na Matur.
A estratégia não era simples, guerra de posição, diria o filósofo marxista Antonio Gramsci: a população vigiava a polícia, não arrendando pé; sempre que os polícias se afastavam, a população acercava-se da igreja para mudar os fechos da porta; quando a polícia regressava, a população batia em retirada uns metros acima, para os campos em redor, e aí ficava vigilante.
A polícia, mesmo rendida a cada quatro horas, mostrava sinais de desgaste.”
Raquel Varela, O canto do melro – A vida do Padre José Martins Júnior – Bertrand 2024, pp 186-190.

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