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terça-feira, 14 de outubro de 2025

O CANTO DO MELRO – A VIDA DO PADRE JOSÉ MARTINS JÚNIOR (4)

Populares revoltosos protestando contra a criação da Junta Nacional de Lacticínios da Madeira (1936).

Mas em 1936, a revolta regressava à ilha da Madeira contra o «monopólio do leite». Monopólio era palavra maldita. Para as duas maiores empresas com acesso privilegiado ao governo de Lisboa, havia concorrência «excessiva» no leite. O decreto levou ao encerramento de vários postos de desnatação, à ruína de pequenos produtores e ao aumento do desemprego.

A revolta da «arraia-miúda» levantou milhares de populares, que se manifestaram com alfaias de lavoura, varapaus e foices e impediram os carregamentos da manteiga. Na ilha, mais de trinta mil vacas produziam leite que ia para mil e cem postos de desnatação. De repente, estes reduziram-se a trezentos, controlados pela Junta, por sua vez controlada pelos Burnay e Martins & Rebelo, que passaram a fixar o preço.

Em Machico, a população cercou com paus a Câmara e a Polícia. Os militares carregaram com violência. Fizeram vários feridos e um morto, Manuel Carvalho, residente na Ribeira Seca.

Salazar escreveu: «Em toda a parte há gente que não sabe agradecer, mas uma terra inteira cheia de benefícios e desconhecedora deles, só a Madeira.» Decidiu então enviar para o arquipélago, onde já se encontravam opositores ao regime, um contingente militar para esmagar os revoltosos.

Entre os presos estava o Padre Teixeira da Fonte, pároco do Faial, no nordeste da ilha, que foi transferido para o «Forno do Lazareto», como era conhecida a prisão do Funchal, um subterrâneo minúsculo sem arejamento, partilhado por mais de cem homens. Esteve lá onze meses sem direito a defesa. Segundo mais tarde escreveu, «a falta de ar era tão grande que os presos arfavam e aproximavam-se dois a dois da porta, encostando a boca aos orifícios e frinchas para respirar um pouco». «A sobrevivência dos homens, que ali se encontravam era assegurada por uma única refeição e seis litros de água para matar a sede e também para lavar o rosto.» Dali levaram-nos para o Forte de Elvas, no Alentejo.

Até à morte, Teixeira da Fonte nunca mais pronunciou o nome do Salazar porque «lhe sujava a boca».

Raquel Varela, O canto do melro – A vida do Padre José Martins Júnior – Bertrand 2024, pp 54-55

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