Ben Norton, Geopolitical Economy – Substack. Trad. O’Lima.
Por que será que Trump está a abandonar a sua chamada postura «America First» para ajudar um líder estrangeiro com US$ 40 bilhões? E quem é exatamente o presidente da Argentina, Javier Milei, cujo apelido é «o louco», que se autodenomina «anarcocapitalista» e que inspirou os cortes federais de Elon Musk — e as acrobacias com motosserras? Esta é uma história que envolve interferência eleitoral, austeridade brutal contra os trabalhadores, crise económica, pagamentos corporativos corruptos e, é claro, golpes com criptomoedas.
Trump apostou muito em Milei. O presidente argentino de direita é um dos aliados mais próximos de Trump no mundo. Eles têm muitas semelhanças. Assim como Trump, Milei venceu a eleição ao apresentar-se cinicamente como um «populista», embora tenha escolhido o banqueiro Luis Caputo para ocupar o cargo de ministro das Finanças, depois de este ter feito fortuna negociando ações para o megabanco JPMorgan, de Wall Street.
Trump e Milei também se envolveram em esquemas corruptos semelhantes. Assim como o presidente dos EUA com a sua obscura moeda Trump, Milei promoveu escandalosamente uma moeda falsa que causou a perda de bilhões de dólares aos seus próprios apoiantes, no que se tornou o maior roubo de criptomoedas de todos os tempos.
Milei também é muito próximo do homem mais rico do mundo, o milionário Elon Musk. Na verdade, Milei inspirou Musk a lançar o seu fracassado Departamento de Eficiência Governamental, ou DOGE. E quando Trump assinou uma ordem executiva prometendo desmantelar o Departamento de Educação, ele estava a imitar Milei.
É importante sublinhar também que Elon Musk tem interesses económicos na Argentina. Os carros elétricos fabricados pela sua empresa Tesla precisam de muito lítio para as suas baterias, e a Argentina tem algumas das maiores reservas de lítio do planeta.
Então, o que está mesmo a acontecer na Argentina e porque é que Milei precisa ser socorrido?
Essa crise remonta a 2018, quando o primeiro governo Trump pressionou o FMI a conceder o maior empréstimo da sua história, no valor impressionante de US$ 57 bilhões, ao então presidente conservador da Argentina, Mauricio Macri, que era um rico ex-parceiro de negócios e amigo pessoal de Donald Trump. O objetivo desse resgate era estabilizar a economia argentina e reduzir a inflação antes das eleições de 2019, nas quais Trump queria que Macri vencesse. Mas o empréstimo do FMI acabou fornecendo os dólares necessários para financiar a fuga de capitais. Isso significou que as pessoas mais ricas da Argentina converteram os seus pesos em dólares e guardaram o dinheiro em contas offshore, enquanto os pobres da Argentina ficaram ainda mais pobres.
Agora, apesar da interferência de Trump, o seu amigo Macri tornou-se muito impopular e perdeu as eleições de 2019. Mas o novo governo que se seguiu ficou com uma dívida enorme e impagável para com o FMI e, em seguida, a pandemia atingiu o país, causando uma crise económica.
Foi aí que Javier Milei entrou em cena. Ele explorou essa crise económica e venceu as eleições seguintes com a falsa promessa de resolver todos os problemas económicos da Argentina cortando as despesas do governo. Poucas horas depois de assumir a presidência da Argentina, Milei extinguiu mais da metade dos ministérios do governo, incluindo os ministérios da Educação, Transportes, Meio Ambiente, Emprego e Segurança Social, Ciência e Tecnologia, entre muitos outros.
Ele despediu um elevado número de funcionários públicos, reduziu os salários e benefícios do setor público, cortou pensões e privatizou empresas estatais. Quando trabalhadores e aposentados protestaram nas ruas, o presidente libertário enviou a polícia para reprimi-los violentamente.
Tudo isso resultou em pobreza e fome generalizadas. Estatísticas oficiais do governo publicadas em 2024 revelaram que 53% da população argentina vivia na pobreza, incluindo 66% das crianças menores de 14 anos.
Esta taxa de pobreza nacional cresceu 11 pontos percentuais nos primeiros seis meses do mandato de Milei, tornando-se o maior aumento da pobreza em 20 anos. Em 2025, o governo de Milei publicou novos números alegando que a pobreza havia diminuído, mas a precisão dos dados foi questionada e acusada de ter motivação política. Especialistas independentes de uma universidade de prestígio, a Pontifícia Universidade Católica da Argentina, afirmaram que os dados do governo de 2025 eram altamente duvidosos e provavelmente exagerados. Uma investigação publicada no início de outubro revelou que quase dois terços dos argentinos, 64,2% da população, não acreditam que a taxa de pobreza tenha realmente diminuído sob o governo de Milei.
Uma das principais razões para isso é que o poder de compra dos trabalhadores argentinos entrou em colapso sob o governo de Milei. Os salários reais baixaram imediatamente após Milei vencer as eleições de outubro de 2023. Isso aconteceu porque Milei prometeu abandonar a moeda argentina, o peso, e adotar o dólar americano. Milei então desvalorizou o peso, destruindo o poder de compra dos trabalhadores argentinos comuns e fazendo com que a inflação subisse muito mais rápido do que os salários. Os salários reais subiram ligeiramente desde então, mas ainda são apenas uma fração do que eram antes de Milei vencer.
Entretanto, sob Milei, a Argentina tornou-se o país mais caro da América Latina. Os custos de muitos alimentos básicos, especialmente carne, tornaram-se proibitivamente altos para os argentinos da classe trabalhadora. 28% das pessoas sofrem agora de insegurança alimentar. Os níveis de fome estão no seu nível mais alto em décadas.
Apesar da fome crescente, Milei insistiu que o governo não deveria intervir e fornecer alimentos, porque, de acordo com a sua visão libertária do mundo, as pessoas simplesmente trabalharão mais para não morrerem de fome.
Entretanto, a imprensa financeira ocidental continuou a elogiar Milei, alegando que ele supervisionou um «milagre económico» porque reduziu o défice do governo, enquanto o mercado de ações disparava. Os investidores ricos estavam a ficar ainda mais ricos. Mas a grande maioria dos trabalhadores argentinos não beneficiou dos novos recordes do mercado de ações. Eles lutavam para colocar comida na mesa.
Enquanto isso, hoje, a Argentina enfrenta não apenas uma, mas várias crises. O país sofreu com algumas das taxas de inflação mais altas do mundo, e a sua moeda, o peso, caiu rapidamente em relação ao dólar norte-americano. Além disso, o mercado de títulos está em crise, com investidores estrangeiros a venderem a dívida pública argentina. A vitória de Milei nas eleições de 2023 também levou à inflação de uma enorme bolha no mercado de ações argentino, que também estourou. Ele está em queda livre desde o início de 2025.
Portanto, a administração Trump está a intervir não só para salvar Milei, mas também para socorrer as elites norte-americanas ricas que investiram em ações e obrigações de risco na Argentina, para garantir que não percam os seus investimentos – tudo isto enquanto a administração Trump corta o Medicaid e os vales-alimentação no seu próprio país.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, um bilionário e ex-gestor de fundos de investimento, revelou que os EUA planeiam conceder US$ 20 bilhões numa linha de crédito ao banco central da Argentina, para que ele tenha os dólares necessários para pagar a dívida que tem com os ricos detentores de títulos. O governo Trump anunciou posteriormente que facilitaria um resgate adicional de US$ 20 bilhões de credores privados, totalizando US$ 40 bilhões em assistência à Argentina. Bessent também propôs que o governo dos EUA comprasse pesos argentinos, o que ajudaria a evitar que a moeda caísse ainda mais. Além disso, Bessent disse que o Tesouro está disposto a comprar diretamente títulos argentinos. Isso significa que o governo dos EUA emprestará dinheiro ao governo Milei, comprando diretamente a dívida pública argentina. Ao fazer isso, Washington pode ajudar Buenos Aires a reduzir os seus custos de empréstimos. Bessent revelou ainda que o governo Trump está a pressionar as empresas americanas a «fazer substanciais investimentos estrangeiros diretos» na Argentina, «no caso de um resultado eleitoral positivo».
Por outraas palavras, Bessent admitiu que o governo dos EUA está a interferir nas eleições argentinas, que acontece em 26 de outubro. Por quê? Bem, o governo Trump teme que Milei e seus aliados de direita possam perder.
A capital argentina, Buenos Aires, já realizou eleições locais no início de setembro, e o partido de direita de Milei, chamado «Liberty Advances», foi arrasado. Os eleitores rejeitaram de forma esmagadora a sua agenda anti-laboral e pró-bilionários. O facto é que Milei é muito impopular. Uma sondagem publicada no início de outubro revelou que 65% da população argentina se opõe ao governo de Milei. Apenas 35% da população apoia as suas políticas libertárias. A mesma sondagem revelou que a maioria dos argentinos se opõe à estreita aliança de Milei com Donald Trump. Quase dois terços, 64,6%, afirmaram que a viagem de Milei aos EUA em setembro não trará investimentos reais para a Argentina e que se trata apenas de um ato político simbólico. Três quintos da população argentina, 59,7%, também acreditam que o país não será capaz de pagar as enormes dívidas que Milei e os seus antecessores de direita contraíram junto ao FMI e aos EUA.
É muito fácil explicar porque é que Milei é tão impopular. As suas políticas beneficiam as elites ricas e prejudicam a grande maioria dos argentinos da classe trabalhadora. Milei também se revelou corrupto — e não apenas quando promoveu um esquema fraudulento com moedas criptográficas que fez com que os seus próprios apoiantes perdessem uma fortuna. Milei enfrentou recentemente outros graves escândalos de corrupção.
No dia em que chegou ao poder, Javier Milei revogou uma lei que proibia o nepotismo, para poder nomear a sua irmã Karina como sua chefe de gabinete. Karina não tinha experiência política. Era uma leitora de tarô que vendia bolos no Instagram. Mas, tal como Javier, é uma libertária de direita declarada e tornou-se uma das pessoas mais poderosas do seu governo.
Porém, Karina Milei foi acusada de corrupção. Em agosto, divulgou uma gravação na qual um membro da equipa jurídica de Milei discutia como uma empresa farmacêutica privada estava a pagar subornos a funcionários do governo Milei, incluindo a sua irmã Karina, acusada de roubar meio milhão de dólares por mês da Agência Nacional de Deficiência da Argentina, canalizando o dinheiro através da empresa farmacêutica. Este escândalo causou indignação generalizada na Argentina, agravando ainda mais os problemas económicos já existentes no país.
Mas isso não é tudo. Javier Milei provocou outro escândalo no início de outubro, quando foi revelado que, poucos dias após a administração Trump anunciar o seu resgate financeiro, o presidente libertário assinou um decreto que dá ao exército dos EUA acesso a várias bases na Argentina e permite que o Departamento de Guerra dos EUA realize exercícios militares em território argentino. Além disso, Milei aprovou essa medida sem a aprovação do Congresso, em flagrante violação da Constituição. O povo argentino ficou furioso. Políticos locais acusaram Milei de «entregar a nossa soberania» e ceder o território argentino ao acesso militar dos EUA como «moeda de troca para seus objetivos eleitorais».
Agora, como se isso não bastasse, mais escândalos surgiram em outubro, imediatamente após o governo Trump anunciar o seu plano de resgate. Milei enfrentou processos judiciais depois de admitir numa entrevista televisiva que interferiu no sistema judicial argentino, que deveria ser independente e apolítico. No entanto, Milei gabou-se de ter «tomado a decisão» de prender a ex-presidente de esquerda Cristina Fernández de Kirchner, sua principal rival política, com base em acusações infundadas e motivadas politicamente de «corrupção».
Depois, na mesma semana, um dos aliados políticos mais importantes de Milei, o legislador José Luis Espert, admitiu que havia recebido US$ 200 mil de um conhecido traficante de drogas. Espert estava literalmente no topo da lista de candidatos do partido «Liberty Advances» de Milei, mas foi forçado a renunciar em desgraça, poucas semanas antes das eleições legislativas. Milei já era muito impopular na Argentina, mas esses constantes escândalos de corrupção só serviram para indignar ainda mais o país.
Mas a administração Trump está a fazer o possível para ajudar Milei. E essa é a verdadeira razão pela qual se está a ouvir falar agora sobre este resgate de US$ 20 bilhões. Mas provavelmente não vai funcionar. É provável que Milei e o seu partido «Liberty Advances» percam as eleições de outubro.
E embora o resgate possa ajudar temporariamente a economia argentina, não vai resolver a crise de forma permanente.
O que também é irónico é que o resgate financeiro de Trump à Argentina está prejudicando os produtores de soja dos EUA, muitos dos quais votaram nele.
Entretanto, o jornalista Judd Legum salientou que um dos maiores beneficiários do resgate financeiro da administração Trump é um bilionário americano de fundos de cobertura chamado Robert «Rob» Citrone, que apostou alto na economia argentina. Ele também é amigo de Scott Bessent. Citrone também é um importante aliado de Milei, e o gabinete do presidente argentino publicou fotos dele com o oligarca bilionário norte-americano no seu site oficial.
Mais uma vez, Donald Trump está a colocar os interesses dos investidores ricos acima dos interesses dos trabalhadores.
Em resumo, estas são as verdadeiras razões pelas quais o governo Trump está a distribuir US$ 40 biliões ao governo da Argentina, enquanto corta despesas sociais no seu próprio país.

Sem comentários:
Enviar um comentário