- “Há dois tipos de obituários que devíamos evitar. Os escribas que aproveitam para falar de si, é o narcisário; e os que ocultam os traços fundamentais da subjetividade de quem morreu, os que marcam o que somos e – sobretudo – o que fica do que somos. Carlos Matos Gomes era um contador de histórias, como foi escrito, era um homem do 25 de Abril, um dos mais seguros e pioneiros da conspiração que derrubou a ditadura, mas era também um homem da revolução, dos 19 meses da democracia participativa e real, do PREC, nome da revolução socialista em Portugal, e por isso esteve contra o golpe do 25 de Novembro que prendeu mais de 100 oficiais revolucionários. Golpe que abriu portas ao fim do poder popular, iniciando não a Europa connosco mas a choldra, querido Eça, em que vivemos. Isso não pode ser cirurgicamente esquecido do seu obituário porque isso era ele. Era um revolucionário. Não era um cínico. Nos últimos anos Matos Gomes dedicou-se a um olhar autobiográfico da sua geração, o que foi recordado no obituário. Mas o seu combate fundamental – o que foi esquecido – foi contra o pensamento único, fosse em que tema fosse, e contra a guerra. Empenhou-se contra a choldra, em particular contra a mediocridade política, e de forma incansável contra a militarização da UE, demonstrando a natureza da NATO e contra a continuação da carnificina na Ucrânia e em Gaza, o negócio e a barbárie da guerra e o imperialismo -não tinha medo das palavras. Foi isto que ocupou a sua escuta irónica, sarcástica, determinada, e as dezenas de participações públicas que fez estes anos. O que foi mais ou menos apagado do seu obituário, bem como, é bom dizê-lo, da esfera mediática, já que ele escrevia sobretudo no blogue, Facebook e fazia palestras em escolas e bibliotecas, de certa forma sendo aquilo que sempre foi – um homem contra o poder, junto dos oprimidos e explorados, recusando concessões. Num país que transborda delas, e até nos obituários tenta nos recordar, amputando partes da vida das pessoas, como “o meio é virtuoso” e o espirito de cisão um problema. (…) Matos Gomes, um homem livre, de riso largo, e até ao fim vivo, cheio de esperança na humanidade. Era um homem da verdade, doa a quem doer. (…)” Raquel Varela, Carlos Matos Gomes, aos corajosos!
Via Alfredo Barroso.
- “Desde ‘Obrigado José Sócrates’, ou ‘O Menino Guerreiro’, para Pedro Santana Lopes, que um líder perseguido não tinha direito a um hino. Desta vez, veio em sertanejo cavaquista: ‘Deixa o barco navegar/Não é hora de parar/A esperança vai renascer/Deixa a gente ser feliz/Deixa o Luís trabalhar/Que um novo futuro vai acontecer’ E depois vem o refrão: ‘Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar/Ele tem palavra/Ele tem valor/Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar.’ Não vou brincar com o ‘trabalho’ de Montenegro na Spinumviva. Fico-me pela referência literária a Cavaco Silva, quando, perante as críticas, a oposição, o escrutínio, os contrapesos democráticos a que chamou ‘forças de bloqueio’ a todos os limites ao seu poder, apelou à anemia democrática em nome da eficácia da governação. ‘Deixem-me trabalhar’ foi, no seu tempo, o grito autoritário do líder que se julga acima das instituições que circunstancialmente dirige, como se as regras e a ética que limitam o seu trabalho não fossem o trabalho da democracia. É sabido que Luís Montenegro tem Cavaco Silva como mestre. E o ego do antigo líder, que o País apreciou, mas nunca com a devoção de que se acha merecedor, só tem uma lição a dar ao discípulo: se fizeres como eu fiz, se fores como eu fui, tudo correrá pelo melhor. E desde que chegou ao poder é isso que Montenegro tenta fazer. A estratégia da queda rápida do governo era a mesma de 1987, só que, não havendo o cão da moção de censura, caçou com o gato da moção de confiança. De resto, tudo igual: exibir um desrespeito altivo por jornalistas e oposição e, perante o escrutínio, nunca oferecer mais do que indignação. (…)” Daniel Oliveira, Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar! Expresso.


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