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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

REFLEXÃO: QUEM GANHA COM O MERCOSUL?

Anadolu/Getty Images

A assinatura do maior acordo de comércio livre do mundo entre a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) no dia 6 de dezembro tem graves implicações para o ambiente e os direitos humanos, caso seja ratificado e entre em vigor.

O MERCOSUL é um bloco comercial sul-americano formado no início da década de 1990 com o objetivo de ser uma zona de comércio livre consolidada entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, que depois se expandiu para incluir países como a Bolívia, o Peru, o Chile, a Colômbia e o Equador. Apesar de ter sido formada em moldes semelhantes aos da UE, nunca se concretizou no sentido de um mercado integrado e de uma cidadania. O acordo de comércio livre reduz os direitos aduaneiros sobre as importações de produtos manufaturados provenientes da UE para os países do MERCOSUL, ao mesmo tempo que reduz as restrições aos produtos agrícolas e minerais importados para a UE.

Os laboratórios de ideias neoliberais e os media elogiam a escala e as oportunidades de lucro, uma vez que o MERCOSUL representa o maior produtor agrícola do mundo e possui as maiores reservas de minerais e petróleo. Entretanto, os movimentos populares denunciaram o acordo pelo seu impacto esperado nas alterações climáticas, pela exacerbação das violações dos direitos humanos e pela violação da soberania dos países.

O acordo comercial viola o princípio do consentimento livre, prévio e informado, tendo as comunidades indígenas, os camponeses (agricultores pobres e de pequena escala) e a sociedade civil sido excluídos das negociações. Décadas de negociações foram feitas em total sigilo, e ainda não há um texto completo do acordo comercial disponível ao público - informações importantes sobre as negociações e o acordo só foram disponibilizadas através da fuga de documentos.

Ao abrigo do acordo, a UE aumentará as importações de produtos como a carne de bovino, as aves de capoeira, a soja e o açúcar, ao mesmo tempo que exportará automóveis, plásticos e pesticidas - incluindo pesticidas que são proibidos na UE devido aos seus impactos ambientais e sanitários. Dado que o Brasil e a Argentina são o terceiro e o quarto maiores utilizadores de pesticidas, respetivamente, esta situação terá impactos significativos na saúde e no ambiente.

A produção de carne é o principal motor da desflorestação na região amazónica, sendo responsável por 80% do abate de terras para pastagem de gado e monoculturas que produzem alimentos para animais. Por conseguinte, a expansão da procura de carne de bovino e de outros produtos agrícolas tem enormes consequências para a crise ecológica e climática, uma vez que a desflorestação é um importante motor das alterações climáticas. Um relatório de 2020 elaborado por ONGs francesas concluiu que o aumento previsto para a produção exclusiva de carne de bovino no âmbito do acordo UE-MERCOSUL poderia aumentar a desflorestação em 25% por ano ao longo de seis anos.

Isto ameaça particularmente a floresta do Gran Chaco, a segunda maior floresta do continente depois da floresta amazónica e um dos maiores sumidouros de carbono do mundo, que se estende pela Argentina, Brasil, Paraguai e Bolívia.

Para além dos graves impactos ambientais, a expansão das indústrias madeireira, mineira e agroindustrial irá agravar ainda mais as violações dos direitos humanos, sobretudo dos povos indígenas na América Latina. As poderosas empresas agro-industriais e mineiras são responsáveis pela expropriação e destruição generalizadas das terras indígenas na região amazónica, frequentemente impostas com violência. Os povos indígenas são os guardiões de 83% da biodiversidade que resta no mundo, apesar de representarem apenas 5% da população.

O acordo também expõe a hipocrisia dos pretensos compromissos dos países europeus em matéria de ação climática. Enquanto a UE se apresenta como líder moralmente superior no domínio do clima, o seu acordo comercial com o MERCOSUL beneficiará da exportação de produtos destruidores do clima para a América Latina e da importação de recursos com uma pegada igualmente destrutiva.

Vários países da UE estão a avançar para a ‘ecologização’ das suas economias nacionais, com base em acordos para reduzir as emissões climáticas, a utilização de pesticidas e a eliminação progressiva dos veículos a gasóleo e a gasolina. Mas esta lavagem verde em grande escala depende da expansão de indústrias destrutivas no Sul Global, criando essencialmente mais zonas de sacrifício e bloqueando as vias dessas economias para uma transição climática significativa.

O acordo beneficia sobretudo os grandes interesses agro-industriais e extrativistas nos países do Mercosul e os fabricantes de automóveis, produtos químicos e plásticos na UE.

O acordo reforça o mesmo padrão observado desde a colonização inicial da América Latina, que é a pilhagem de recursos primários por interesses maioritariamente estrangeiros, que são depois convertidos em produtos industriais de maior valor para serem vendidos com um lucro monumental. As Veias Abertas da América Latina, do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, documenta esta história com precisão.

Ben Radford, Acordo comercial neocolonial UE-MERCOSUL é um golpe para o clima e os direitos humanos - Green Left.

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