O engenheiro Pedro Bingre do Amaral considera que a construção em solos rústicos, aprovada pelo Governo, transfere para espaço rural a especulação nos terrenos urbanos, onde os índices de construção previstos nos planos dão para “19 milhões de casas”.
Segundo o engenheiro florestal da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, nos planos diretores municipais, com um perímetro urbanizável, “há terrenos que ainda não foram construídos”, abandonados, tributados como rústicos, mas “nesses terrenos urbanos, de acordo com os índices de construção que lá estão, dava para construir 19 milhões de casas”.
O também presidente da organização ambientalista Liga para a Proteção da Natureza, que se apoia em dados da Associação Portuguesa de Urbanistas, não tem dúvidas sobre o resultado do diploma que permite a reclassificação de solo rústico em urbano, para construção, através de deliberação municipal: “O que vamos fazer com isto é que nós, pela via fiscal, não combatemos esta especulação nos solos no perímetro urbano e vamos transferir essa especulação para o solo rústico”.
Para o investigador, a alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial ( RJIGT) apresenta vários riscos, nos planos financeiro, urbanístico e ambiental, ao preservar “um princípio que vem destruindo a economia imobiliária do país, ou a economia do território, que é manter as chamadas mais-valias urbanísticas na mão dos privados”.
As mais-valias urbanísticas são “a valorização que um solo sofre mediante uma decisão administrativa de transitar o terreno de rústico para urbano”, que pode “facilmente multiplicar por 10, cem, às vezes até mil vezes o seu valor”.
“Na Europa, por todo o lado, essas mais-valias urbanísticas revertem a favor do erário público porque resulta de uma decisão da administração pública. O proprietário dos terrenos retém para si o valor agroflorestal inicial do terreno. Isso faz com que o preço do solo seja baixo e […] o Estado retém esta valorização”, com a qual “constrói as infraestruturas públicas e consegue disponibilizar lotes a baixo preço” para construção, explicou.
“Portanto, se o Estado for a única pessoa a poder lotear terrenos públicos, o Estado pode controlar os preços do solo e, por esse intermédio, fazer baixar os preços da habitação”, acrescentou.
Por outro lado, considerando o período entre 1965 e 2014, em que se autorizava a construção em todo o lado, vai-se “continuar a construir uma malha urbana dispersa, disfuncional, que tem custos tremendos de manutenção de infraestruturas, de deslocações de movimentos pendulares de casa para o trabalho. Porque o que nós vamos ter com esta lei é que vamos voltar aos tempos em que as urbanizações são feitas segundo a malha cadastral agrícola”, sinalizou Bingre do Amaral, advogando que o Estado, como se faz no resto da Europa, deve “expropriar os solos agrícolas em redor da cidade a um preço justo, que ressarça a perda de atividade agrícola”, faça o emparcelamento e desenhe “novos bairros de acordo com critérios urbanísticos, sem estar atrapalhado com a malha agrícola”.
Ao atribuir às câmaras e assembleias municipais a competência para reclassificar solos rústicos em urbanos, para construção de habitação, o investigador admitiu que a nova lei “precipita ainda mais o fim do mundo rural”, pois o país tem “cerca de 80%” do território com xisto e granito, com “terrenos que não podem ser lavrados”, e os melhores solos agrícolas estão “na zona de Lisboa e Vale do Tejo”, um pouco “no centro-oeste litoral e nalgumas veigas” em redor do Porto.
“A partir do momento em que fica a pairar no ar a perspetiva de um proprietário de um terreno multiplicar por mil o seu valor com um alvará de loteamento, imediatamente ele desinteressa-se da agricultura e da floresta. O terreno fica fora do mercado agroflorestal. E, portanto, como nós já temos poucos terrenos com aptidão para a agricultura, e aqueles que são mais aptos são os que mais vão estar a sofrer com este contágio de preços, a partir do momento em que foi anunciada a lei, os preços já começaram a subir”, vincou o investigador.
Por isso, Bingre do Amaral alertou que com a alteração ao RJIGT, “tirando uma fração da Reserva Ecológica Nacional e uma parte das áreas classificadas”, como “a Rede Natura 2000 e a Rede Nacional de Áreas Protegidas”, todos “os outros terrenos passam a ser potenciais espaços urbanizáveis”.
Sem comentários:
Enviar um comentário