“(…) A cidade é, hoje, um gigantesco bordel, não no sentido literal, mas no sentido de vender como sendo amor aquilo que é um produto. (…) Não é só em Lisboa. Enquanto Meghan Markle e o Príncipe Harry, George Clooney e a mulher e mais uma longa lista de vedetas internacionais, sempre bajulados pela imprensa local, aguardam a construção dos seus palacetes de férias nas Comportas e afins, os autarcas portugueses estendem-se ao comprido à beira mar, de lado e mão na anca, para agradar à ilustre clientela. A última gota no mar foi permitir-se praias de acesso privado. Sem ninguém dar por nada, o velho domínio público marítimo foi subvertido. As praias, essas democráticas instituições onde todos somos iguais (…) podem agora ser reservadas a elites com poder de compra suficiente para preferirem estar entre si. (...)
Mas a culpa, atenção populistas, a culpa não é dos turistas que sobem e descem os seios de Lisboa em tuk-tuks. A culpa não é de uma liga atrizes e actores que procuram um sítio bonito e seguro algures entre a Europa civilizada e Hollywood para passar parte do ano. A culpa não é dos traficantes de armas e drogas, nem dos oligarcas eslavos nem dos bilionários anglosaxónicos que compram em massa solares minhotos, latifúndios no Alentejo ou casas com praias para seu gozo privado. A culpa não é seguramente dos milhares de imigrantes asiáticos e africanos que asseguram as limpezas, o trabalho nas estufas, a condução de ubers e bolts ou a distribuição de pizzas e sushi ao domicílio.
Num bordel, de acordo com a lei portuguesa, a culpa, a responsabilidade criminal, não é das prostitutas, nem dos prostitutos, nem dos clientes. O criminoso, diz a lei, é quem beneficia economicamente do negócio e dele retira lucros. O proxeneta. Leia-se, (…) o legislador que inventou os vistos gold e o estatuto de “residente não habitual”, de “nómada digital”, o mesmo legislador que definiu as regras e elevou a fasquia burocrática para inúmeras actividades ao ponto de só grandes grupos económicos que recorrem aos grandes grupos de advogados as poderem cumprir. Depois, os autarcas fazem o seu papel, vedam o acesso a uma praia aqui, recebem um cartão gold para um clube de golfe ali. Num país sem outra estratégia, vale tudo para encher os cofres públicos e os bolsos privados. (…)”
Miguel Szymanski, Lisboa Menina e Moça. Portugal Post.
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