segunda-feira, 21 de outubro de 2024

BICO CALADO

Terry LaBan
  • “Os multimilionários estão bastante confiantes de que não podem ser tributados - não apenas de que não devem ser tributados, mas antes de que é tecnicamente impossível tributar os ultra-ricos. Também não têm vergonha de explicar porquê - e o seu exército de lambe-botas também não. Se é impossível tributar os bilionários, então qualquer pessoa que exija que tributemos os bilionários está a ser infantil. (…) Ao fazer batota nos impostos, os milionários conseguem manter - e investir - mais dinheiro do que as pessoas menos ricas. Conseguem tanto dinheiro que podem "investi-lo" na corrupção do processo político, por exemplo, lançando vastas somas de dinheiro obscuro nas eleições para destituir os políticos que se preocupam com o crime financeiro e substituí-los por legisladores amigos dos criptomoedas que farão vista grossa às fraudes dos bilionários. Quando alguém fica suficientemente rico, adquire impunidade. Tornam-se demasiado grandes para falhar. Tornam-se demasiado grandes para serem presas. Tornam-se demasiado grandes para se preocuparem. Compram presidentes. Tornam-se presidentes. Há uma década, Thomas Piketty publicou ‘O Capital no Século XXI’, traçando três séculos de fluxos globais de capital e mostrando como a desigualdade extrema cria instabilidade política, levando a revoluções sangrentas e guerras mundiais que arrasam o campo de jogo destruindo a maior parte do capital mundial numa orgia de violência, com danos colaterais maciços. Piketty argumentou que, se não tributássemos os ricos, teríamos a mesma instabilidade política que provocou as guerras mundiais, mas num mundo com armas nucleares e à beira de um colapso ecológico. Até elaborou um programa para essa tributação, que tinha em conta tudo o que os ricos tentariam para esconder os seus bens. (…) Onde quer que o debate se desenrole, os bilionários e os seus representantes aparecem para nos dizer que estamos a fazer ideologia, que não há alternativa e que é literalmente impossível tributar os ultra-ricos. Piketty destrói habilmente este argumento, mostrando como são escassos os argumentos para a impossibilidade de um imposto sobre os bilionários. Em primeiro lugar, há o argumento de que os ultra-ricos são, de facto, bastante pobres. Elon Musk e Mark Zuckerberg não têm muito dinheiro, têm muitas ações, que não podem vender. Porque é que não podem vender as suas ações? Ouvem-se muitos argumentos complicados sobre a falta de liquidez e o efeito de uma grande venda sobre o preço das ações, mas todos eles se resumem a isto: se obrigarmos os multimilionários a venderem um monte de ações, ficarão mais pobres. (…) Os bilionários não são realmente pobres. Têm montes de dinheiro, que adquirem através de uma coisa chamada "comprar, pedir emprestado, morrer", que lhes permite criar riqueza dinástica intergeracional para os seus filhos. (…) Piketty chama a atenção para o jogo de fachada que está no centro deste argumento: a livre circulação de dinheiro que permite a fuga aos impostos foi criada pelos governos. Foram eles que criaram estas leis, por isso podem alterá-las. Os governos que não podem exercer o seu poder soberano para tributar os ricos acabam por tributar os pobres, corroendo a sua legitimidade e, consequentemente, o seu poder. Tributar os ricos - uma medida extremamente popular - tornará os governos mais poderosos, não menos. Os grandes países como os EUA (e federações como a UE) têm muito poder. Os EUA acabaram com o segredo bancário suíço e conseguem tributar os americanos que vivem no estrangeiro. Não há nenhuma razão para que a França não possa aprovar um imposto sobre o património que se aplique às pessoas com base na sua residência histórica: um bilionário francês de 51 anos que foge para a Suíça para evitar um imposto sobre o património após 50 anos em França poderia ser responsabilizado por 50/51 do imposto sobre o património. (…) Os super-ricos continuam a ficar mais ricos. Em França, as 500 famílias mais ricas valiam, no seu conjunto, 200 mil milhões de euros em 2010. Hoje, são 1,2 biliões de euros. Não admira que um imposto global sobre a riqueza esteja no topo da agenda da Cimeira do G20, a realizar no Rio de Janeiro no próximo mês. Nos EUA - onde o dinheiro pode facilmente atravessar as fronteiras estaduais e onde vários estados competem entre si para se tornarem o melhor paraíso fiscal e financeiro onshore-offshore - os impostos estaduais sobre milionários estão a arrasar. O imposto sobre milionários de Massachusetts para 2024 arrecadou mais de 1,8 mil milhões de dólares, excedendo todas as expectativas, ao tributar os rendimentos anuais superiores a 1 milhão de dólares com uma taxa adicional de 4%. Este é exatamente o tipo de imposto que os bilionários dizem ser impossível. É tão fácil transformar o rendimento normal em rendimento protegido - realizando-o como uma mais-valia, por exemplo - que aumentar os impostos sobre o rendimento não vai fazer nada. Em quem vai acreditar, nos bilionários ou nos 1,8 mil milhões de presidentes mortos que jazem no Departamento de Receitas do Massachusetts? (…) E se todos esses bilionários fugirem do vosso estado? Boa viagem, e não deixem que a porta vos bata à saída. Tudo o que precisamos é de um imposto de saída, como o que existe na Califórnia, que cobra um imposto único de 0,4% sobre o património líquido superior a 30 milhões de dólares a qualquer indivíduo que saia do Estado. Os bilionários são a razão pela qual não podemos ter coisas boas - uma política climática sensata, direitos dos trabalhadores, um Supremo Tribunal funcional e parlamentos que respondam ao povo e não a doadores com grandes bolsos. A fonte do poder dos bilionários não é misteriosa: é o seu dinheiro. Se lhes tirarem o dinheiro, tiram-lhes o poder. Com mais de uma dúzia de estados a considerar impostos sobre a riqueza, estamos finalmente numa corrida até ao topo, para ver qual o estado que consegue atacar o poder corrosivo da riqueza extrema de forma mais agressiva.” Cory Doctorow, Claro que podemos tributar os bilionáriosMedium.
  • Os dois últimos relatórios e contas da Ordem dos Médicos revelam que a atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e um dos vice-presidentes da bancada parlamentar do PSD, Miguel Guimarães, agiram como fiéis depositários de uma conta solidária durante a pandemia que envolveu 1,4 milhões de euros, engrossada quase na sua totalidade com dinheiros de farmacêuticas. Os dois políticos agiram durante os respetivos mandatos na Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respetivamente, sobretudo entre 2020 e 2022. Além de ficar, assim, assumido que houve contabilidade paralela, com fugas ao Fisco de permeio, o expediente de fiel depositário é completamente desajustado à gestão de donativos e coloca mesmo sérias suspeitas de fraude com eventuais responsabilidades civis e criminais, uma vez que inexistem sequer documentos formais que mandatassem Ana Paula Martins e Miguel Guimarães para essa função. Além da atual ministra e do deputado, um terceiro titular da conta foi Eurico Castro Alves, como representante das farmacêuticas (APIFARMA), que recentemente foi anfitrião das férias de Luís Montenegro no Brasil. Fonte.
  • Nos últimos dois anos, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista retirou a carteira a nove jornalistas, mas na sua ação sancionatória tem deixado escapar o ‘peixe graúdo’. Os jornalistas que trabalham ou colaboram em grandes grupos de comunicação social têm uma espécie de imunidade, e não sofrem sanções ou penalizações mesmo quando exercem actividades absolutamente incompatíveis com a profissão. Por exemplo, há um pivot da CNN que se orgulha de ser dono de uma empresa de consultoria em comunicação e de fazer media training para a Força Aérea. Há jornalistas a trabalhar em empresas ou agência de comunicação e conteúdos comerciais. Outros tantos dão formação em ‘media training’ ou ensinam a escrever ‘press releases’ e a saber ‘apresentar um produto’, como faz uma das mais mediáticas jornalistas da RTP. E há ainda diretores e jornalistas a executar contratos comerciais. E isto é o que se mostra visível. Fonte.

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