“A fundação da cidade de Jamestown, em 1607, pode não ter um feriado nacional, mas tem uma fábula muito mais sensual: o dramático salvamento de John Smith pela "princesa índia" Pocahontas. Segundo a estória, no meio de uma cerimónia solene, a "filha amada" do "rei" Powhatan, de onze anos, correu e colocou a cabeça sobre Smith, impedindo os membros da tribo de lhe esmagarem o crânio com os seus bastões. (...)
Os académicos têm debatido se o salvamento de Smith alguma vez aconteceu, uma vez que apenas existe o seu relato e a sua versão mais elaborada foi publicada anos depois da morte de Pocahontas. Smith era um aventureiro militar, um auto-promotor, um plebeu, que tinha o hábito irritante de exagerar as suas façanhas. A sua estória do salvamento imitava na perfeição uma popular balada escocesa da época, em que a bela filha de um príncipe turco salva um aventureiro inglês que está prestes a perder a cabeça.(...)
A estória de Pocahontas exige que a princesa rejeite o seu próprio povo e cultura. Este tema poderoso tem persistido, como observa a historiadora Nancy Shoemaker, porque contribui para a lógica nacional mais alargada da participação voluntária dos índios na sua própria morte. No entanto, essa jovem não viveu voluntariamente em Jamestown; foi levada cativa. No jardim paradisíaco da Virgínia primitiva que nunca existiu, a guerra e o sofrimento, a ganância e a conquista colonial estão convenientemente ausentes. A dissonância cultural e de classes desaparece por magia para que as origens americanas sejam transformadas numa utópica estória de amor.”
Nancy Isenberg, White Trash – The 400-year untold history of class in America. Atlantic Books 2017, pp 8-10. Trad. OLima 2024.
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