"Não me estavam a matar, mas perdi os meus óculos. Saí com a camisa em farrapos e cheio de sangue, mas eles já estavam a recuar e tivemos uma breve amostra de como é boa a sensação da ofensiva, mesmo no nosso pesadelo microcósmico de uma guerra. E alguns de nós tiveram a presença de espírito suficiente para gritar: ‘Aguentem! Aguentem! Vamos para o palco!’ Corremos para o palco e demos os braços mais uma vez – agora muito estoirados e magoados - nenhum de nós ileso - e ficámos ali, a balançar um pouco, sangrando, formando um semicírculo apertado com as mulheres e as crianças atrás de nós. E as mulheres e as raparigas, pensando que estávamos a lidar com uma espécie humana talhada fora do molde da espécie humana, começaram a cantar Star Spangled Banner, mas os patriotas da cruz a arder não tiveram respeito por esta canção e, enquanto as raparigas cantavam, ganharam coragem e atacaram-nos de novo, e nós voltámos a rechaçá-los.
Nessa altura, as luzes apagaram-se. Alguém partira o cabo do gerador e esta súbita alteração acentuou a escuridão da noite. Enquanto lutávamos, as luzes apagaram-se e, depois de os termos derrotado, eles pareceram mergulhar numa louca frustração totalmente inútil. Atacaram as cadeiras. Não os conseguíamos ver, mas, através da escuridão, ouvimo-los a enfurecerem-se entre as cadeiras dobráveis, atirando-as de um lado para o outro, estilhaçando-as e partindo-as. Não era apenas insensato, era doentio - horrível, patológico e doentio, como foi grande parte do comportamento deles naquela noite. Depois, um deles acendeu uma fogueira a cerca de trinta metros do nosso semicírculo à volta do palco.
Uma cadeira foi atirada para a fogueira, depois outra e mais outra, depois uma pilha inteira de cadeiras - cadeiras que não nos pertenciam mas que eram do empresário de Peekskill, o dono do parque de merendas. Depois descobriram a nossa mesa de livros e panfletos e foi então que, para coroar a nossa noite, reencenaram a monstruosa atuação da queima de livros de Nuremberga, que se tinha tornado um símbolo mundial do fascismo."
Talvez a natureza do fascismo seja tão precisa, talvez os seus efeitos sobre os seres humanos sejam tão consistentemente doentios, que os mesmos símbolos têm necessidade de surgir; pois ali, de braços dados, vimos a memória de Nuremberga ganhar vida novamente. A fogueira rugiu e os defensores do modo de vida ‘americano’ agarraram em pilhas dos nossos livros e dançaram à volta da fogueira, atirando os livros para o fogo enquanto dançavam. Estávamos meio às escuras, mas o fogo iluminava-nos de tal forma que sugeria um palco bem montado, onde esta dança, tão simbólica da morte da civilização, era executada após um ensaio cuidadoso."
Howard Fast, Peekskill USA: Inside the Infamous 1949 Riots (1951). Open Road Integrated Media 2011, p 30. Trad. Octávio Lima.
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