quarta-feira, 21 de agosto de 2024

LEITURAS À MARGEM


Os motins de Peekskill ocorreram em 27 de agosto de 1949 em Lakeland Acres, a norte de Peekskill, Nova Iorque. O catalisador dos motins foi o anúncio de um concerto do cantor negro Paul Robeson, defensor dos direitos civis e sindicais. O concerto, organizado em benefício do Congresso dos Direitos Civis, estava marcado para 27 de agosto. Howard Fast testemunhou toda esta violência, uma vez que fazia parte da comissão organizadora do concerto. Este documentário contextualiza os motins de Peekskill. Outra boa fonte acerca destes desacatos pode ser acedida aqui.

"Não me estavam a matar, mas perdi os meus óculos. Saí com a camisa em farrapos e cheio de sangue, mas eles já estavam a recuar e tivemos uma breve amostra de como é boa a sensação da ofensiva, mesmo no nosso pesadelo microcósmico de uma guerra. E alguns de nós tiveram a presença de espírito suficiente para gritar: ‘Aguentem! Aguentem! Vamos para o palco!’ Corremos para o palco e demos os braços mais uma vez – agora muito estoirados e magoados - nenhum de nós ileso - e ficámos ali, a balançar um pouco, sangrando, formando um semicírculo apertado com as mulheres e as crianças atrás de nós. E as mulheres e as raparigas, pensando que estávamos a lidar com uma espécie humana talhada fora do molde da espécie humana, começaram a cantar Star Spangled Banner, mas os patriotas da cruz a arder não tiveram respeito por esta canção e, enquanto as raparigas cantavam, ganharam coragem e atacaram-nos de novo, e nós voltámos a rechaçá-los.

Nessa altura, as luzes apagaram-se. Alguém partira o cabo do gerador e esta súbita alteração acentuou a escuridão da noite. Enquanto lutávamos, as luzes apagaram-se e, depois de os termos derrotado, eles pareceram mergulhar numa louca frustração totalmente inútil. Atacaram as cadeiras. Não os conseguíamos ver, mas, através da escuridão, ouvimo-los a enfurecerem-se entre as cadeiras dobráveis, atirando-as de um lado para o outro, estilhaçando-as e partindo-as. Não era apenas insensato, era doentio - horrível, patológico e doentio, como foi grande parte do comportamento deles naquela noite. Depois, um deles acendeu uma fogueira a cerca de trinta metros do nosso semicírculo à volta do palco.

Uma cadeira foi atirada para a fogueira, depois outra e mais outra, depois uma pilha inteira de cadeiras - cadeiras que não nos pertenciam mas que eram do empresário de Peekskill, o dono do parque de merendas. Depois descobriram a nossa mesa de livros e panfletos e foi então que, para coroar a nossa noite, reencenaram a monstruosa atuação da queima de livros de Nuremberga, que se tinha tornado um símbolo mundial do fascismo."

Talvez a natureza do fascismo seja tão precisa, talvez os seus efeitos sobre os seres humanos sejam tão consistentemente doentios, que os mesmos símbolos têm necessidade de surgir; pois ali, de braços dados, vimos a memória de Nuremberga ganhar vida novamente. A fogueira rugiu e os defensores do modo de vida ‘americano’ agarraram em pilhas dos nossos livros e dançaram à volta da fogueira, atirando os livros para o fogo enquanto dançavam. Estávamos meio às escuras, mas o fogo iluminava-nos de tal forma que sugeria um palco bem montado, onde esta dança, tão simbólica da morte da civilização, era executada após um ensaio cuidadoso."

Howard Fast, Peekskill USA: Inside the Infamous 1949 Riots (1951). Open Road Integrated Media 2011, p 30. Trad. Octávio Lima.

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