sexta-feira, 26 de julho de 2024

‘QUANDO PORTUGAL ARDEU’ 30

Escola da Calheta, Madeira.

“’Na escola da Calheta, onde [escultor Francisco Simões] fui diretor mais tarde, havia um diretor, José Manuel Brás, que era presidente da Câmara, da Casa do Povo, chefe da União Nacional, da Misericórdia, ou seja, o exemplo mais gritante do cacique. Tinha por sua conta cabos de ordem, polícia privada nomeada por ele que até podia usar armas. Eram contínuos da escola e choferes. A mulher tinha a quarta classe e era professora de Português. A filha tinha o segundo ano e era professora de Desenho. Havia as maiores barbaridades. Na escola, os alunos eram chicoteados e punidos de forma violenta. Este homem todo-poderoso e autoritário chegou ao ponto de impor a lei seca. Aquela gente trabalhava um dia inteiro, a cavar batatas, a socar as canas ou a fazer outros trabalhos violentos, e sabe-se como um copo de vinho fazia parte da dieta e lhes repunha a energia de que precisavam. Pois ele não deixava que as tabernas e as mercearias vendessem álcool. 
Um dia, um rapaz entrou numa taberna e quis beber qualquer coisa e foi abalroado pelos cabos de ordem. Aquilo acabou com um dos jagunços a disparar à queima-roupa e a assassinar o jovem, que, além disso, era amparo de família. 
Fiz uma notícia para o Comércio do Funchal. Mais ou menos assim: ‘No sítio do Loreto, um indivíduo conhecido por José Brás mandou assassinar um rapaz, amparo de família, tal e tal.’ Nem referi o autor do disparo. O autor moral é que interessava. O censor não percebeu a notícia e aquilo passou. A represália veio depois, por lápis azul, da primeira à última página.’”

Miguel Carvalho, Quando Portugal ardeu (2017) – Oficina do Livro 2022, pp 192-193.

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