quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Reflexão: A ExxonMobil quer iniciar uma guerra na América Latina?

“Em 3 de dezembro de 2023, um grande número de eleitores registrados na Venezuela votou num referendo sobre a região de Essequibo que é disputada com a vizinha Guiana. Quase todos os que votaram responderam sim às cinco perguntas. Estas questões pediam ao povo venezuelano que afirmasse a soberania do seu país sobre Essequibo. “Hoje”, disse o presidente venezuelano Nicolás Maduro, “não há vencedores nem perdedores”. O único vencedor, disse ele, é a soberania da Venezuela. O principal perdedor, disse Maduro, é a ExxonMobil.

Em 2022, a ExxonMobil obteve um lucro de 55,7 mil milhões de dólares, tornando-a uma das empresas petrolíferas mais ricas e poderosas do mundo. Empresas como a ExxonMobil exercem um poder excessivo sobre a economia mundial e sobre os países que possuem reservas de petróleo. Tem tentáculos em todo o mundo, da Malásia à Argentina. No livro Private Empire: ExxonMobil and American Power (2012), Steve Coll descreve como a empresa é um “estado corporativo dentro do estado americano”. Os líderes da ExxonMobil sempre tiveram um relacionamento íntimo com o governo dos EUA: Lee “Iron Ass” Raymond (CEO de 1993 a 2005) era um amigo pessoal próximo do vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, e ajudou a moldar a política do governo dos EUA em relação às alterações climáticas; Rex Tillerson (sucessor de Raymond em 2006) deixou a empresa em 2017 para se tornar Secretário de Estado dos EUA no governo do presidente Donald Trump. Coll descreve como a ExxonMobil utiliza o poder estatal dos EUA para encontrar cada vez mais reservas de petróleo e para garantir que a ExxonMobil se torne a beneficiária dessas descobertas.

As pessoas que votaram sabiam exatamente em que estavam votando: nem tanto contra o povo da Guiana, um país com uma população de pouco mais de 800.000 habitantes, mas estavam a votar pela soberania venezuelana contra empresas como a ExxonMobil. A atmosfera nesta votação foi mais sobre o desejo de remover a influência das empresas multinacionais e de permitir que os povos da América do Sul resolvessem as suas disputas e dividissem as suas riquezas entre si.

Logo que Hugo Chávez venceu as eleições para a presidência da Venezuela em 1998, disse que os recursos do país – principalmente o petróleo, que financia o desenvolvimento social do país – deviam estar nas mãos do povo e não nas mãos de empresas petrolíferas. Então o governo de Chávez iniciou um ciclo de nacionalizações, com o petróleo no centro (o petróleo foi nacionalizado na década de 1970 e privatizado novamente duas décadas depois). A maioria das empresas petrolíferas multinacionais aceitou as novas leis para a regulamentação da indústria petrolífera, mas duas recusaram: ConocoPhillips e ExxonMobil. Ambas exigiram dezenas de milhares de milhões de dólares em compensação, embora o Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) tenha concluído em 2014 que a Venezuela só precisava de pagar à ExxonMobil 1,6 mil milhões de dólares.

Rex Tillerson ficou furioso. Em 2017, o Washington Post publicou uma notícia que captava o sentimento de Tillerson: “Rex Tillerson foi queimado na Venezuela. Então vingou-se.” A ExxonMobil assinou um acordo com a Guiana para explorar petróleo offshore em 1999, mas só começou a explorar a costa em Março de 2015 – depois de o veredicto negativo ter sido emitido pelo ICSID. A ExxonMobil utilizou toda a força de uma campanha de pressão máxima dos EUA contra a Venezuela, tanto para consolidar os seus projetos no território disputado como para minar a reivindicação da Venezuela sobre a região de Essequibo. Esta foi a vingança de Tillerson.

Em 2015, a ExxonMobil anunciou que havia encontrado 295 “reservatórios de arenito contendo petróleo de alta qualidade”. A gigante petrolífera iniciou consultas regulares com o governo da Guiana, incluindo promessas de financiar todo e qualquer custo inicial para a exploração de petróleo. Quando o Acordo de Partilha de Produção entre o governo da Guiana e a ExxonMobil foi divulgado, revelou o quão mal a Guiana se saira nas negociações. A ExxonMobil recebia 75% das receitas do petróleo para a recuperação de custos, sendo o restante partilhado 50-50 com a Guiana; a petrolífera, por sua vez, estava isenta de quaisquer impostos. O Artigo 32 (“Estabilidade do Acordo”) diz que o governo “não deverá alterar, modificar, rescindir, declarar inválido ou inexequível, exigir a renegociação, obrigar a substituição ou substituição, ou de outra forma procurar evitar, alterar ou limitar este Acordo ” sem o consentimento da ExxonMobil. Este acordo aprisiona todos os futuros governos da Guiana num negócio muito fraco.

Pior ainda para a Guiana é que o acordo fora feito em águas disputadas com a Venezuela desde o século XIX. A falsidade dos britânicos e depois dos EUA criou as condições para uma disputa fronteiriça na região que tinha alguns problemas antes da descoberta do petróleo. Durante a década de 2000, a Guiana manteve estreitos laços fraternos com o governo da Venezuela. Em 2009, ao abrigo do esquema PetroCaribe, a Guiana comprou petróleo a preços reduzidos à Venezuela em troca de arroz, uma benção para a indústria arrozeira da Guiana. O esquema de troca de petróleo por arroz terminou em novembro de 2015, em parte devido à descida dos preços mundiais do petróleo. Ficou claro para os observadores tanto em Georgetown como em Caracas que o esquema sofria com as crescentes tensões entre os países sobre a disputada região de Essequibo.

Entretanto, à margem da reunião da COP-28, o presidente da Guiana, Irfaan Ali, reuniu-se com o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e com o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves, para falar sobre a situação. Ali instou Díaz-Canel a instar a Venezuela a manter uma “zona de paz”.

A guerra não parece estar no horizonte. Os EUA retiraram parte do seu bloqueio à indústria petrolífera da Venezuela, permitindo à Chevron reiniciar vários projetos petrolíferos na Faixa do Orinoco e no Lago Maracaibo. Washington não quer aprofundar o seu conflito com a Venezuela. Mas a ExxonMobil sim. Nem o povo venezuelano nem o povo guianense beneficiarão da intervenção política da ExxonMobil na região. É por isso que tantos venezuelanos que votaram no dia 3 de Dezembro viram isto menos como um conflito entre a Venezuela e a Guiana e mais como um conflito entre a ExxonMobil e o povo destes dois países sul-americanos.”

Vijay Prashad, Peoples Dispatch.

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