quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Reflexão: ‘Subsídios à desertificação’

Projeto REA Alentejo/Sul-Informação

“Quem passe no Baixo Alentejo por estes dias verá extensas áreas de deserto. São milhares de hectares de solo nu, exposto ao impiedoso sol alentejano. O calor das últimas semanas e a falta de chuva são a causa imediata desta desolação, mas a raiz do problema está nas políticas públicas. Com efeito, os agricultores que recebem subsídios agrícolas (os famosos “direitos” ou RPB) veem-se confrontados com a necessidade de ter os seus terrenos “limpos” de vegetação espontânea. Qualquer zona de mato que apareça nas fotografias aéreas, usadas pelo IFAP para controlar a atribuição de verbas, arrisca-se a ser classificada como não-conforme, levando à perda do subsídio correspondente. Nada melhor, do ponto de vista da eficácia, do que lavrar ou gradar o terreno em pleno verão, pois assim nada vai crescer durante semanas e nenhum subsídio se perderá.

Ora deixar o solo a descoberto é a pior coisa que se pode fazer para a rede de organismos vivos que asseguram solos saudáveis e criam as condições para o crescimento das plantas, especialmente nesta zona do país. A existência de coberto vegetal, mesmo que seco, tem diversas vantagens, entre as quais: reduz a temperatura do solo, protege-o da erosão, aumenta a capacidade de infiltração da precipitação e a capacidade de retenção de humidade. Um solo despido vai-se com o vento (em nuvens de poeira) e com a água (basta ver os barrancos cor de terra cada vez que chove). Perdem-se os nutrientes e a matéria orgânica, e a camada de solo cultivável fica cada vez mais fina e menos capaz de sustentar vida, levando à desertificação.

Na fiscalidade verde, a tributação procura reduzir os comportamentos que causam impactos negativos e a subsidiação fomenta ações com impacto ambiental positivo. Ambos se justificam pela internalização de externalidades e pela melhoria que trazem à qualidade ambiental.

Os subsídios ambientalmente danosos, por outro lado, são aqueles que apoiam atividades nocivas para o ambiente, e que, por isso, deveriam ser completamente banidos da legislação em países que se prezem. Os relatórios sobre o tema apontam como exemplos a subsidiação de combustíveis fósseis, infelizmente ainda muito popular (em 2022, mais de 1 bilião de USD segundo dados da IEA), ou ainda os benefícios fiscais atribuídos ao transporte privado ou a fertilizantes químicos na agricultura. A União Europeia tem como objetivo eliminar este tipo desubsídio perverso.

E, no entanto, em Portugal há este exemplo, pouco falado mas não menos nocivo. O mato que brota nas zonas mais secas do país (normalmente espécies do género Cistus, como a esteva ou o sargaço) tem uma função ecológica que não é valorizada pelo IFAP. O mato torna-se, por isso, num alvo a abater pelos agricultores, o que é compreensível numa zona em que a atividade agrícola já é tão desafiante, com solos esqueléticos, sucessivas secas severas e extremas, e dificuldades com a mão de obra. Por absurdo, a mesma entidade engloba esse mesmo mato para os cálculos do encabeçamento mínimo, reconhecendo a sua capacidade de ser usado pelos animais! É essencial parar de exigir “limpeza”, como se a vegetação espontânea fosse algo sujo, e em vez disso reconhecer a importância da proteção do solo e os benefícios ambientais do mato. Estamos a gastar dinheiro público para subsidiar o deserto.

CATARINA ROSETA PALMA, Subsídios à desertificação – JNegócios 11out2023.

Sem comentários: